terça-feira, 7 de dezembro de 2010

No mundo da imaginação: a realidade fantástica de Xuxa Verde


Ela é esverdeada, vive um cotidiano fantasioso que rompe a cronologia, cria e recria situações inusitadas e, sobretudo, achincalha com a imagem de uma celebridade que imbecilizou a infância de muita gente. Abriram a caixa de Pandora e jogaram no ventilador uma parte rechaçada do passado de Maria da Graça Meneghel, a rainha que fez brotar o espírito consumista nos baixinhos. Estou falando de Xuxa Verde, um personagem bizarro que traz à tona todo o poder criativo – e também destrutivo – da blogosfera e twittosfera.

Você deve estar perguntando: o que é e quem diabos é Xuxa Verde?

Xuxa Verde é um perfil anônimo do Twitter. Um personagem que revisita os videoteipes do Clube da Criança, da extinta Rede Manchete. Os VTs são tão antigos e de uma qualidade tão inferior que as cenas ficaram esverdeadas (daí o nome nonsense). A inspiração, segundo a mente criativa que deu origem ao avatar, foi um vídeo do YouTube chamado “Xuxa, uma candura de mulher”. As imagens mostram a apresentadora no início da carreira, antes das Paquitas, totalmente despreparada, alienada e com uma irritante voz de afinar violino.



O personagem verde, por enquanto, segue anônimo, talvez por receio de alguma represália jurídica da Xuxa titular. O mais bizarro, em todo o contexto, é que o cover conseguiu popularizar bordões como “vixe”, “ajuda eu” e “vem, gente”, frases que, de fato, saíram da Xuxa original. E é justamente essa mistura de ficção e realidade que deixa os comentários da rainha verde ainda mais bizarros.

No mundo da imaginação
No Twitter, Xuxa Verde revela um cotidiano totalmente atemporal, sempre na companhia de Marlene, Sorvetão, Miúcha, Catuxa e outros personagens que já fizeram parte da vida da apresentadora. Algumas situações são tão absurdas que chegam a perder completamente a noção do bom senso, como o método educacional criado para educar a pequena Sasha: o bambu vietnamita (vixe!).
O sucesso de Xuxa Verde é tão grande que inspirou a criação de novos personagens no Twitter, como a hilária Claudia Sentalá. A pupila foi inspirada no bordão “ahan, Claudia, senta lá”, proferido por Xuxa no momento em que uma menina lhe pede algo. No contexto fantasioso do autor, a garota cresce traumatizada e vira dançarina de pole dance, “sentando lá” no colo de muitas celebridades famosas.

Reescrevendo o passado
Durante muito tempo, Xuxa Meneghel conseguiu abafar seus ensaios na Playboy e sua participação no filme “Amor Estranho Amor”. Com a popularização da internet e das redes de compartilhamento de vídeo, contudo, todo esse passado repelido veio à tona. A apresentadora, inclusive, obteve uma vitória contra o Google. A loira moveu um processo contra a empresa, após o buscador associar a palavra Xuxa ao adjetivo “pedófila”.
Os internautas que digitavam a combinação no buscador encontravam mais de 50 mil textos e vídeos, além de cerca de 20 mil fotografias da apresentadora, em parte delas nua ou em cenas de sexo, retiradas do filme que participou em 1982.

O paradoxo é que, quanto mais Xuxa tenta impedir que Amor Estranho Amor seja lembrado, mais informações sobre a atuação dela no filme são produzidas e acabam ficando à disposição na internet.
A vida pessoal de Xuxa Meneghel, desde o início da carreira, gera polêmicas na mídia. Por muitas vezes, a apresentadora foi vítima de fofocas maldosas, muitas delas estampadas pelas mesmas publicações que a adularam há alguns anos. Conforme Rojek (2008, p. 88), “A mídia que constrói as celebridades com frequência não resiste a arquitetar a sua queda”. O estrago na fama, como denomina Redmond (2006), é uma tendência esperada durante a vida da celebridade, estando vinculada à intensidade de sua popularidade. A carreira de Xuxa, assim como a de muitos artistas, não é acompanhada apenas de luxo e idolatria. A imagem do seu sucesso é tão lucrativa quanto à do seu fracasso.

Xuxa Verde já começa a desfrutar dos efeitos (bons e ruins) da fama. Com mais de 33 mil seguidores, o personagem já virou notícia em diversas publicações. O sucesso é tão grande que seu avatar protagonizou a primeira edição da “Casa dos Twitteiros”, que virou febre no You Tube. Toda essa projeção, contudo, pode se virar contra o autor, ideologica e judicialmente. Espero, pelo bem da liberdade de expressão, que esse fenômeno da twittosfera não seja punido pela “censura da rainha”, nem pelos caprichos dos seus discípulos. Xuxa Verde é apenas uma galhofa inteligente que deu um ar Cult ao humor involuntário da serelepe Maria das Graças de tempos de outrora. Uma resposta criativa para uma senhora arrogante que pensa que pode calar a internet e reescrever seu passado com uma caneta multicolorida.
Até alguns anos atrás, o que caracterizava a fama era a aparição nas mídias de massa tradicionais: TV, rádio, jornal e revista. No entanto, os meios evoluíram, convergiram e ganharam uma projeção e uma instantaneidade assustadora. As mídias tornaram-se sociais e participativas. Mudaram os tempos e os hábitos. E tudo ficou mais criativo, deliciosamente provocante, tanto para o bem quanto para o mal, se é que ainda existe este julgamento maniqueísta num universo em que se pode produzir conteúdo sem mostrar a cara.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A TV aberta e a diversidade sexual

Participantes do BBB 10


O Brasil é um país no mínimo curioso. Um povo que idolatra o carnaval - evento que nivela todas as classes, gêneros e etnias - e que fica atônito ao ver na televisão três participantes homossexuais em um reality show. As mesmas pessoas que cultuam a diversidade na avenida são aquelas que ficam chocadas ao ver a rotina de um homem que se veste de Drag Queen nas noites. Sim, caras pálidas. A hipocrisia invade a passarela. Enquanto esses personagens (eu prefiro chamar de pessoas) estão à distância, eles são vistos como criaturas travestidas e rotuladas. E por dentro? Foi justamente isso que Boninho, o todo-poderoso do programa mais vigiado do Brasil, quis botar em discussão. Mostrar que por trás da caricatura glamorosa há um ser humano, com desejos e necessidades iguais a qualquer cidadão. A despeito de qualquer crítica ou comentários maldosos, o diretor do BBB chamou para si uma enorme responsabilidade. E foi muito corajoso para dar a cara a tapa, assim como os três participantes assumidamente gays do reality. É a diversidade debatida na vida real, ainda que embalada em um discurso moralista, sensacionalista e caricato.


Primeiramente, caros leitores. Não entupam o meu e-mail com argumentos demagogos como: “como ficam as crianças diante da TV”, “deturpação de valores”, “consideração à família brasileira”. Se quiserem falar de respeito, comecem por aplicá-lo. Porque, antes de montar essa coluna, dediquei horas de estudo e leitura de listas de discussões. E já adianto: li depoimentos agressivos, sustentados por uma ignorância repugnante. A maioria fugindo do assunto em discussão, correlacionando a homossexualidade a crimes, promiscuidade, política, religião e até futebol. Bobagens do tipo: “em vez de perderem tempo tratando da vida sexual das pessoas, porque não falam sobre a fome no nordeste?” (SIC). Esses indivíduos são exatamente aqueles que não contribuem em nada para o respeito da diversidade sexual, tampouco para a saciedade dos famintos deste país.


Apesar de estarmos engatinhando no que diz respeito à aceitação da orientação sexual dos brasileiros, fuçando a literatura televisiva nacional, descobri verdadeiras pérolas, que mostram que a abordagem do assunto começou desde cedo, na década de sessenta, no teleteatro “Calúnia”, da TV Tupi. Na peça, escrita por Lilian Helmann, as atrizes Vida Alves e Geórgia Gomide viveram as professoras Karin e Martha. Depois de serem acusadas de lésbicas pelas alunas, revelaram-se apaixonadas com um beijo homossexual.


Um estudo bastante aprofundado foi realizado por Leandro Calling, em 2007, intitulado “Homoerotismo nas telenovelas da Globo e a cultura”. O texto analisa como as telenovelas da Rede Globo representaram os homossexuais no período de 1974 ao início de 2007. Leitura recomendada para quem quiser se aprofundar mais sobre o tema.


A primeira aparição de um personagem homossexual nas novelas da Globo aconteceu em “Rebu”, de 1974. Na trama, Conrad Mahler mantinha uma relação com o garoto de programa Cauê, assassinado no final do folhetim por se envolver com a esposa do companheiro. Em “O Astro”, ainda na década de 70, a homossexualidade foi novamente relacionada à violência. O cabeleireiro gay Henri torna-se álibi do assassinato de Salomão Hayalla. Estes tipos de associação, obviamente, em nada contribuíram para uma discussão saudável. Pelo contrário, alimentaram a repulsa de uma sociedade amordaçada por uma ditadura militar opressora e violenta.


Ainda nos anos 70, outros personagens gays ganharam destaque nos folhetins globais, desta vez com um estereótipo afeminado: o garçom Waldomiro e o chefe de cozinha Pierre Lafond de “Marron-glacé” e o mordomo Everaldo de “Dancing Days”. Esta abordagem, satírica e rasa, emprestou aos papéis um tom jocoso, colaborando ainda mais para discriminação dos homossexuais.


No decênio seguinte foram nove aparições de gays na dramaturgia global, de 1980 a 1989. A primeira apresentação de uma personagem lésbica aconteceu em “Ciranda de Pedra”: Letícia, uma feminista com trejeitos masculinos. Já o primeiro casal de namorados foi apresentado na trama “Brilhante”. A década de 90 também contabilizou nove papéis homossexuais, incluindo a primeira veiculação de um gay não-afeminado.


Durante algum tempo, muitos atores e atrizes tiveram receio de papéis homossexuais, temendo o estereótipo nas suas carreiras de ídolos. Hoje, a realidade é outra. Personagens deste gênero podem, inclusive, impulsionar a imagem do artista. Um bom exemplo foi a participação de Rodrigo Santoro no filme “Carandiru”. O astro ganhou status por renunciar a sua estampa de galã e assumir um personagem afeminado, interpretado de forma realista e nada chistosa.


Essa postura aparentemente liberal do telespectador brasileiro, no entanto, é frágil. “Já tive de morrer na TV por fazer uma personagem homossexual. Nos anos 90, eu fiz um casal com Silvia Pfeifer, em Torre de Babel. Era o casal mais tranquilo da novela. O mais bem sucedido. Mesmo assim, elas tiveram de morrer daquela forma horrorosa, em uma explosão dentro de um shopping, por conta do preconceito” – afirmou Christiane Torloni em entrevista ao R7, em 31/10/09. O conturbado desaparecimento gerou uma grande discussão. Movimentos gays protestaram contra a Igreja Católica e a acusaram de ter pressionado para que houvesse a morte das personagens.

Se a audiência interferiu para censurar, também contribuiu para moralizar. Hoje, diversas associações e ONGs que apóiam a diversidade sexual e comportamental mobilizam-se contra o conteúdo homofóbico, retirando-os do ar em alguns casos, como aconteceu com João Kleber e suas "pegadinhas", que submeteram os gays a uma posição surreal e de inferioridade.


Nos últimos anos, contudo, a discussão saiu da ficção e chegou à realidade. No palco, ao vivo, os oficiais militares Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo expressaram publicamente sua homossexualidade durante o programa Superpop, na Rede TV. Logo após a entrevista Araújo foi preso.


O espaço à discussão da diversidade aumentou e, com ele, as mensagens de apoio ou repudio. Glória Reis escreveu em 2008, em seu blog, um texto sobre o “marketing da opção sexual”. Totalmente alienada ao histórico da aparição dos gays na TV brasileira, a autora critica a TV Globo e as suas telenovelas por “abarcar mais gente para a prática homossexual, propagando uma realidade totalmente falsa de um mundo maravilhoso, colorido, de gente feliz, sem conflitos, sem perigos, sem necessidade de cuidados e prevenção necessárias em qualquer vivência da sexualidade.”


Gloria Reis, em seu texto, enaltece, como cidadã e educadora, a sua preocupação com o crescente número de crianças e adolescentes influenciados pela propaganda da "maravilha de ser homo" (SIC). Para ela, esta “ideologia” é um desrespeito e atentado à liberdade humana. E vai além: “Pobre país cuja maior rede de TV tem como estrela um Aguinaldo Silva, cujo maior sonho é ‘fazer’ um beijo gay na novela, com medo de que um heterossexual passe à sua frente. É um profissional destituído de autocrítica, pois fala da sua patética novela como se fosse Madame Bovary de Flaubert. Quanta mediocridade”. Pára tudo! Que isso, dona Glória? Se a senhora está vendo muito gay na rua não é culpa da Globo, mas da sensação de autonomia que as pessoas estão tendo. Como é que a senhora ousa a falar de liberdade humana escrevendo tudo isso? Isso é opressão. E o pior, uma opressão letrada, de uma formadora de opinião.


Assim como o Blog da Glória que, com todo o direito, expressa a sua opinião, muitos outros canais de comunicação pipocam por aí, com as mais diferentes frentes e ideologias. E agora, seguindo as tendências das novas mídias, a TV resolveu retratar o assunto mais abertamente. E coube ao Boninho jogar tudo no ventilador. Ao seu estilo, naturalmente.


Desde a sua estréia, o Big Brother trouxe algum participante gay. Contudo, na maioria das vezes, esse representante era uma minoria oprimida. Geralmente era só um, para ser “estéril” e não causar comoção. Assim, a diversidade estaria “preservada”. A surpresa, contudo, veio no BBB 5, quando o professor homossexual assumido Jean Willis venceu a disputa e faturou o prêmio máximo do programa.


Diferentemente da quinta edição do reality, que abordou o tema de forma adequada, a presente temporada apostou na polêmica para atrair a atenção. E foi ousada. Colocou, de uma só vez, três representantes gays assumidos: Dicesar, Sérgio e Angélica. O problema, desta vez, é a forma grosseira com que o assunto está sendo explorado. A orientação sexual dos participantes, nestas primeiras semanas, está sendo discutida à exaustão, como se eles não tivessem outra coisa a oferecer. Com o tempo, entretanto, a polêmica se esgota e os verdadeiros valores dos brothers passam a ganhar atenção.


Para atingir uma discussão madura sobre a diversidade sexual é preciso combater o preconceito e o estereótipo promíscuo ou caricato. Na TV aberta são ainda são poucas as produções em que o homossexual é humanizado e não julgado pela sua posição sexual. No Brasil, a televisão ainda é o veículo de informação mais difundido e, para alguns, a única fonte de informação. O que aumenta a responsabilidade com a ética. Para informar, estimular e construir valores sólidos, em vez de criar arquétipos e disseminar preconceitos.


Referências bibliográficas

REIS, Glória. Disponível em http://gloria.reis.blog.uol.com.br/arch2008-05-18_2008-05-24.html

CALLING, Leandro. Homoerotismo nas telenovelas da Globo e a cultura. Disponível em http://www.cult.ufba.br/enecult2007/LeandroColling.pdf

TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso:A Homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, 2004. 586p.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

As novas receitas da dramaturgia nacional

Carla Marins - a protagonista de Uma Rosa com Amor


2010 promete grandes novidades. As emissoras estão armadas, com produtos bons e novos formatos. Até mesmo a Rede Globo, com a sua folgada liderança, abriu mão, no último ano, da zona de conforto e arriscou propostas ousadas, estéticas e narrativas, como as séries “Decamerão”, “Som e Fúria” e “Norma”. Sinal de que a dramaturgia brasileira evoluiu, ficou mais madura e mais rentável. E não somente nos arredores do Projac. A Rede Record, por exemplo, mostrou que é possível fazer novela fora de Jacarepaguá e chegar a um nível próximo do “padrão globo de qualidade”. O SBT rompeu contrato com a Televisa e partiu para as produções 100% nacionais, apoiadas em textos antigos de Janete Clair e Vicente Sesso. O panorama é otimista. A produção dramatúrgica na TV aberta surpreende: são sete telenovelas inéditas no ar. Um cardápio bem interessante para consumidores ávidos por este tipo de produto. Aí que entra a provocação desta coluna: com relação à estrutura narrativa, quais dos títulos em cartaz são realmente inovadores? O que você, telespectador, prefere: um bom feijão com arroz ou um marreco ao molho de café? Uma novela tradicional (e previsível) ou um enredo inusitado e surpreendente?

A TV vive de faturamento. Ponto. Por mais que haja excelência na produção artística, o que movimenta a folha de pagamento é o retorno comercial. A produção e a audiência em massa. Um modelo ainda em uso, mas já absolutamente condenado pela entrada do sinal digital.

Vamos à velha e boa metáfora gastronômica: hoje, a TV aberta tem que alimentar grandes conglomerados de audiência com uma mesma receita. Básica e pasteurizada. Daqui a alguns anos, o cardápio vai aumentar, assim como a procura por novos pratos. O bandejão popular vai perder adeptos. Logo, o telespectador vai querer – e poder – consumir o que tiver vontade: desde um ovo frito até uma lagosta. Do programa da Márcia a um seriado Cult.

Com a segmentação da audiência, as novelas poderão criar novos formatos e investir em outras propostas. Se isso será economicamente viável aí são outros quinhentos. Porque a ousadia tem seu preço. Pode render excelentes investimentos ou mesmo causar um enorme prejuízo. A Record, por exemplo, lançou dois produtos com linguagem inovadora: a malfadada novela “Metamorphoses” e a bem-sucedida trilogia dos Mutantes, de Tiago Santiago. Mesmo com todas as críticas, o autor conseguiu a façanha de alcançar picos de liderança no Ibope. E isso tudo no tempo da TV analógica, com público massivo, efeitos especiais grosseiros e um enredo fantasioso. Uma receita que agradou em cheio parte dos adolescentes. Tão popular quanto uma porção de batata frita. Uma é pouco, duas é bom. Três é demais. E dá náusea no final.

O arroz com feijão, aquele bem temperadinho, com os ingredientes na medida certa, entretanto, também tem seus adeptos. E é justamente essa receita que o autor Tiago Santiago (sim, o mesmo dos Mutantes) vai utilizar para reavivar a combalida dramaturgia do SBT, que há anos sobrevive com refeições ralas e insossas. Trata-se da adaptação de Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso. A trama, produzida pela primeira vez em preto-e-branco, em 1972, foi exibida com grande sucesso na Rede Globo. Veiculada no horário das sete, contou com 220 capítulos, com destaque para a atuação de Marília Pêra como a solteirona Serafina.

Uma Rosa com Amor foi uma das primeiras novelas da Globo com elementos de comédia romântica, o que se tornaria, mais tarde, a marca do horário das 19h. Na versão de Santiago, com a colaboração de Renata Dias Gomes e direção-geral de Del Rangel, o enredo vai permanecer fiel ao original, com temas já bastantes conhecidos pelo público: amor, casamento, família, disputas, traições, cobiça, solidariedade e amizade. As questões serão abordadas por uma perspectiva doce e bem humorada.

Seguindo referências do neo-realismo, Uma Rosa com Amor brinca com perfis estereotipados e cômicos, como a moça que ficou sem namorar depois de uma grande decepção amorosa, o fanho, a nova rica ambiciosa e fútil, o malandro e o pai protetor.

O elenco escolhido é popular e reúne nomes como Carla Marins, Luciana Vendramini, Etty Fraser, Isadora Ribeiro, Betty Faria, Carlo Briani, Claudio Lins, Monica Carvalho, Edney Giovenazzi, Toni Garrido, entre outros.

O SBT parece estar disposto a retomar – pela enésima vez – a sua dramaturgia. A emissora, conhecida pelos espasmos criativos do patrão, já adotou inúmeras cartadas ousadas, como a reprise de “Pantanal”, da extinta TV Manchete. Desta vez, a estratégia é outra: trilhar um caminho conhecido pelo público e apostar no óbvio ululante. Uma receita, a princípio saborosa, que pode virar praxe na mesa ou mesmo enjoar no decorrer dos dias. Prefiro o marreco ao molho de café, mas ainda assim devo experimentar esse novo prato-feito do Silvio Santos. Numa dessa eu acabo gostando.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pegadinhas broxantes: e a TV conhece o fundo do poço.

Reprodução da TV

Na madrugada de sábado para domingo, logo depois da reprise do CQC, a Band exibe o Cine Privé. Em cartaz, filmes baratos e duvidosos, muitos deles já populares, como as estripulias da fogosa Emanuelle. Uma orgia mental para telespectadores que aprendem desde cedo o que é banalização do sexo e como se perpetua a imagem da mulher objeto. O horário é permissivo, 1h45. Ainda assim, tais produções estão em exibição, encruadas na programação aberta, “livres” para todas as idades, sem qualquer filtro. Basta ligar a TV. Neste caso, o apelo erótico é explícito. Menos mal. O problema acontece quando o produto vem com uma falsa embalagem, sugerindo uma proposta humorística, em um horário absolutamente inadequado. Não, caro leitor, não se trata de “A Praça é Nossa”, tampouco do “Superpop”. O buraco é mais embaixo. Quando todos pensavam que a TV já havia conhecido o fundo do poço, Silvio Santos chega, sorrateiramente, e solta mais uma de suas pilhérias. Infame, por sinal. Sem muito estardalhaço, estreou no SBT, no dia 14 de setembro, às dez da noite, o programa “Pegadinhas Picantes”. Uma série de televisão caracterizada por cenas de humor em que as pessoas são pegas de surpresa ao observar situações bizarras de nudez.




Produzidos na Ucrânia pela AFL Productions e Comedy Central, sob a alcunha “Naked and Funny”, os esquetes apostam em um erotismo gratuito e vazio, com atores trajando sungas com enchimento frontal e modelos nuas em situações “inusitadas”. Entre os quadros, alguns desenhos animados sugerem sexo implícito, com o objetivo de apimentar a atração. Destaque especial para a tradução dos títulos da versão brasileira que, de tão ruins, chegam a ser engraçados.


Em “Pegadinhas Picantes” nada é falado, o que deixa o programa ainda mais esdrúxulo. Acompanhados por música e onomatopéias, os quadros unem o erotismo ao pastelão, não se adequando perfeitamente em nenhuma das duas categorias. O resultado é patético. O áudio da reação das vítimas não é capturado, sendo substituído por gestos de mímica. É o tipo de programa que poucos telespectadores assumem acompanhar. Dá vergonha de admitir. No entanto, os dados apontam para uma realidade diferente. Na faixa das 22h, os esquetes rendiam até 10 pontos no Ibope.

O SBT já tem tradição em inserir o erotismo em alguns de seus programas. Difícil esquecer da polêmica e controversa banheira do Gugu, do insinuante “Cocktail”, apresentado por Miele na década de 80, e do horrendo humorístico “Sem Controle”, rifado da programação há poucos anos. Atrações que atraíram certa audiência, mas que sujaram a credibilidade da emissora e afastaram muitos anunciantes.

Com a mudança das dez para as onze da noite, na segunda-feira (26), as "Pegadinhas Picantes" perderam quatro pontos no Ibope. Às 23h, o programa caiu para 06 pontos. A troca de horário foi por conta de reclamações de telespectadores. Às 22h, o SBT colocou no ar "Boletim de Ocorrência", com Joyce Ribeiro. Outra atração popularesca para tapar o buraco da programação. Que convoquem o Chaves, então. Sai mais barato e dá retorno.

Silvio Santos adora polêmicas. E responde aos ataques com sarcasmo. Foi assim que o recado foi dado aos que “não gostam de ver belas garotas à vontade” na TV, através de uma chamada irônica, comunicando a troca de horário das “Pegadinhas Picantes”. Tudo isso leva a crer que o desejo de estabilizar a grade da emissora cai por terra quando as birras do patrão falam mais alto. Ego ferido. Como se não bastasse o terrorismo gravado, editado e exibido com a Maísa, os escrachos com os convidados, como o recente episódio com a dançarina Carla Perez, agora Silvio Santos aposta na vulgaridade para alavancar os índices. Audiência barata que pouco ou nada vai agregar à programação. Para alguns pode até ser excitante. Mas para o departamento comercial e para a imagem institucional da emissora, esse decreto é broxante.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Medo do escuro: o futuro do jornalismo impresso.

Corram para as suas casas, a mentira invadiu a terra.

O novo tende sempre a ser uma ameaça. O medo do desconhecido, do escuro. De fato, estar longe da zona de conforto é sempre uma insegurança. Assim como envelhecer. A vida, por si só, já nos surpreende com intimidações desde que nascemos. Sair do ventre, por exemplo. É um trauma. Tiram-nos do ambiente em que vivemos e nos colocam em um outro, muito mais frio, claro e barulhento. Depois vem o primeiro dia de aula: crianças jogadas aos leões, forçadas à convivência em sociedade. Chega o vestibular. Aos dezoito anos, um adolescente com piercing na sobrancelha tem que decidir se vai ser médico ou jornalista. Mais uma ruptura capaz de desviar todo o curso de uma carreira. Ou seja, viver é mudar. Mudar é viver.

Depois de um belíssimo prólogo à Pedro Bial, vamos ao ponto. Porque diabos as pessoas temem tanto o desconhecido, uma vez que ele faz e continuará fazendo parte da existência humana? Monologada a introdução da tragédia, vamos aos fatos: jornalistas tradicionais estão em pânico temendo o fim do jornal impresso. O fim do coronelismo das rotativas e do monopólio da informação.

Serei sincero. Até porque eu – como proprietário deste blog – tenho total liberdade de escrever o que eu quiser, da maneira que desejar. Esse medo da inevitável queda do papel noticioso é fundamentado? Não seria receio de uma nova concorrência intelectual, de novos entrantes do mercado, de uma gurizada que já nasceu dominando a tecnologia? A força motriz dessa discussão – assim como em todos os momentos de ruptura da história – é econômica e ideológica. A mesma que fez a Igreja abominar a democratização do mundo impresso. São apenas grandes conglomerados inquietos com a mudança de valores (espaço reservado para a dubiedade).

A notícia ganha novas fontes. Agora ela pode vir do melhor amigo, da namorada, do pai. E o melhor: instantaneamente. Nesse contexto, surgem jornalistas apocalípticos denunciando o fim da profissão. Corram para as suas casas, o Satanás agora é porta-voz. A informação se desfez, a mentira chegou para amaldiçoar os seus lares. Pausa. Um tempo para respirar e enumerar alguns fatos: o ato de dar e receber notícia mudou. O receptor – estou falando do letrado, que tem acesso à informação - agora tem milhões de possibilidades de verificar a fonte. E é aí que os bons jornalistas e os bons veículos se destacam – e garantem o seu espaço no mercado, mesmo com a isenção da obrigatoriedade do diploma, com o crescimento das mídias sociais e com todos os experimentos que provém a democratização da informação. Não há motivo para tanto alarde, caros amigos. Os bons terão seus lugares ao sol. A sociedade não precisa de jornais. Precisa de jornalismo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A fantástica morte de Silvio Santos.

Silvio Santos, 78 anos


Curto e grosso: e se Silvio Santos morresse esta noite? Sim, caro leitor, Senor Abravanel é um ser humano que, como todos de sua espécie, cumpre um ciclo vital. Se Michael Jackson desapareceu, outros ícones também podem perecer de um dia para outro. Reflitam: como seria, melhor dizendo, como será (porque fatalmente vai acontecer uma hora) o ritual de passagem do Homem do Baú? Qual será a postura da Rede Globo? Vale lembrar o episódio em que o apresentador foi o tema da Escola de Samba Tradição, transmitido pela emissora carioca, com profissionalismo e respeito. Como transcorrerá a rotina na sede da Anhanguera? Como serão os domingos sem Silvio Santos?


Listemos alguns fatos relevantes: Senor Abravanel é um senhor de 78 anos, um representante da melhor idade. Por mais lúcido que possa parecer, ele, assim como qualquer indivíduo da sua idade, tem limitações físicas. E que tendem a aumentar com o tempo. O fascínio pela figura que Silvio exerce, contudo, nos faz esquecer que, ali no palco, junto às colegas de trabalho, tem um homem quase octogenário.

A vitalidade de Silvio Santos é, de fato, impressionante, assim como o seu poder de virar notícia. Tudo isso preservando ao máximo a sua vida pessoal. Questionado pela revista Veja, em 2000, sobre a sua aposentadoria – e provável ausência nos negócios do Grupo, o apresentador foi taxativo: “Os executivos dizem que se eu parar o SBT regride, o Baú não vende. É tudo mentira. Os executivos falam isso porque eles ganham bônus e acham que as coisas são mais fáceis com o Silvio Santos lá, porque o Silvio Santos é um bom vendedor etc. Mas eu acho que o SBT não pode depender mais do Silvio Santos. A Globo não é sinônimo de Tarcísio Meira, Regina Duarte, Xuxa, Faustão. Da mesma forma, o SBT não tem de ser sinônimo de Silvio Santos, Hebe Camargo, Gugu ou Jackeline. O SBT tem de ser uma linha de produção. Se o artista convier ao SBT, ótimo. Se não, troca-se e não acontece nada com a emissora.”

Há alguns meses, o SBT sofreu um grande desfalque, a saída de Gugu Liberato para a Record. Muita gente – inclusive eu, que publiquei uma coluna sobre o assunto – questionou sobre o tamanho do estrago que essa transferência causaria à imagem da emissora. Eis que Silvio ressurge das cinzas e promove grandes contratações, provando a todos que a pipa do vovô ainda sobe. E que ainda há tesão pelo veículo impulsor de todos os negócios do Grupo.

Há alguns meses, o site O Fuxico, especializado em notícias de celebridades, divulgou, em 22 de maio, a morte de Silvio Santos. Segundo a notícia, o empresário teve fortes dores no peito durante a gravação o quadro Fale com a Maisa. “Levado para o Hospital Albert Einstein, ele faleceu”, afirma o texto. A nota, contudo, era falsa. O motivo: invasão hacker no servidor do site.

Boatos envolvendo a vida do patrão, entretanto, não são recentes e nem exclusivos do ambiente virtual. Há algumas décadas, circulava no Brasil uma publicação sensacionalista com a manchete de que Silvio Santos estaria careca. Outro episódio, ainda mais fatídico, foi a controversa entrevista concedida à Revista Contigo, que estampava, na capa, que o apresentador estava doente, com mais seis anos de vida, e que o SBT havia sido vendido para a Televisa e para o Boni.

A princípio, a própria revista suspeitou que Silvio Santos estava fazendo uma galhofa. Amparada judicialmente e com a entrevista gravada, a publicação inseriu as declarações do dono do SBT ipsis literis. A “pegadinha” teve a magnitude de uma bomba atômica e comprovou a podridão e a irresponsabilidade das “mídias das fofocas”. O site Cocadaboa, dias depois, afirmou ter inventado a história. Disse, ainda, ter arranjado uma pessoa com a voz similar à de Silvio Santos e ludibriado a revista Contigo. Outra sandice. Era mais um boato revertendo outro boato.

Tarde demais. A semente da discórdia estava plantada e a árvore da desinformação em plena reprodução. A cada minuto surgia uma versão nova, um desmentido, uma confirmação. “O ‘monstro’ saiu de nosso controle e assumiu vida própria. O falatório assumiu várias formas e acabou ficando irreconhecível até para nós.” - afirmaram os editores do Cocadaboa, em matéria publicada no site. “Toda a ‘mídia parasita’ ajudou. Criamos o assunto descartável para entreter as vidas vazias dos coitados que passam a tarde inteira assistindo televisão”.


Um fato é certo. Falar de Silvio Santos vende, gera notícias e boatos. E o mais cômico é que, por trás disso, tem um empresário fanfarrão, que alimenta muitas hipóteses e faz questão de estar da boca do povo. Talvez sua morte seja mesmo refletida de maneira apoteótica. Será a passagem do maior e mais popular profissional da comunicação brasileira.


Como será a sua vida sem o Silvio Santos? Eu mesmo não sei responder, mas tenho certeza que não vai passar batida. Uma coisa, contudo, eu tenho convicção: um dia ele vai partir desta para uma melhor. Também não duvido que peguem esta coluna e publiquem minha “previsão”. A visão do publicitário-mãe-dinah em letras garrafais: “SILVIO SANTOS VAI MORRER”. Não duvido mesmo. Tem otário pra tudo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O bê-á-bá do broadcasting: os hábitos de consumo.

Mylena Ciribelli, apresentadora do "Esporte Fantástico", recém-estreado.

Palavras de um grande diretor de comercialização e marketing, Álvaro Iahnig: “TV é hábito”. Sentença que ouvi exaustivamente durante os três anos que trabalhei em uma rede de televisão. Praticamente uma lavagem cerebral. O óbvio ululante do planejamento em broadcasting. Tão evidente e intuitivo, mas que alguns executivos parecem desprezar. O resultado do descaso: grades voadoras, programas que estréiam e são cancelados antes de completarem um mês no ar e – principalmente – um enorme desrespeito ao telespectador.

Criar e desenvolver hábitos de consumo são práticas que a Rede Globo adota – com sucesso - desde os anos 60. A conseqüência dessa sistematização é a notável fidelização de audiência que a emissora mantém, mesmo com o avanço das redes concorrentes. Dados do Painel Nacional de Televisão do mês de junho apontam para uma confortável liderança para a Vênus Platinada, com 16,8 pontos de média diária, ante 5,7 da Record e 4,9 do SBT.

A diferença da grade da Rede Globo para suas duas principais concorrentes é justamente a previsibilidade do que vai ao ar. Ou seja, o telespectador sabe qual será a próxima atração. Já está consolidada no consciente coletivo brasileiro a disposição da programação: Vale a Pena ver de Novo, Sessão da Tarde, Malhação, novela das seis, das sete, Jornal Nacional, novela das oito e linha de shows. É sempre assim, necessariamente nessa ordem. Experimente agora citar a do SBT ou a da Record.

A rede de Silvio Santos experimentou o dissabor de perder público devido às inconstâncias na programação. Uma estrutura tão volúvel que se tornou um mistério para o telespectador. O disse-que-disse tomou proporções maiores quando o patrão – em um dos seus espasmos criativos – resolveu fechar a assessoria de imprensa da casa, cerrando o contato com os formadores de opinião. Uma espécie de Ato Institucional: centralizador, ditador e insano. Tal postura deixou não somente o público perdido, mas também os funcionários do canal. Fato que rendeu um embaraçoso episódio no principal telejornal da emissora: a apresentadora, que deveria anunciar a atração seguinte, ficou embasbacada, sem imaginar o que ia ao ar. A produção tampouco. Quem salvou a cena foi o experiente Hermano Henning, que finalizou o assunto com um sorriso amarelo.

Ao que parece, Senor Abravanel aprendeu a lição. Hoje já dá para supor a programação noturna do SBT: linha de shows 1, telejornal, novela e faixa especial. Até quando a grade será mantida é uma incógnita, mas o homem do Baú dá indícios de que vai honrar a fórmula. A não ser que ele acorde com o dente doendo. Aí tudo pode mudar. Ou não. Vai saber.

No mesmo caminho está a Rede Record, cada dia mais inconstante. De acordo com a coluna Outro Canal, a emissora mudou a sua grade em São Paulo pelo menos 24 vezes num período de 57 dias. As alterações começaram em maio, quando Geraldo Luís deixou de apresentar o "Balanço Geral" paulista para dar lugar à edição carioca. Entre as reformas, houve também a ampliação do "Hoje em Dia" e mudanças no horário do "Domingo Espetacular" e do "Repórter Record" por conta da estreia de "A Fazenda", em 31 de maio. O caso mais recente foi o “Esporte Espeta...digo, Esporte Fantástico” que, em sua terceira apresentação, teve seu horário radicalmente corrompido, passando do meio dia para às 8h30.

Todas essas alterações repentinas expõem insegurança e imaturidade por parte dos executivos das redes de TV. Uma aflição desenfreada por resultados financeiros e comerciais que pode afetar um importante elemento desse negócio: a credibilidade. Diante de uma derrapada no Ibope, mais vale fazer como a Globo, que leva a temporada até o término do seu ciclo (mesmo que antecipado) para somente depois cancelá-la. A série “Tudo Novo de Novo” e a malfadada novela “Negócio da China” são alguns exemplos. O respeito, assim como nas relações pessoais, deve se refletir também profissionalmente. Essa perda pode ser irreparável. Pensando bem, agora entendo meu ex-diretor, quando bradava incansavelmente que TV é hábito. Uma repetição salutar para todos os departamentos. O bê-á-bá da administração, que muitas vezes se perde no meio do caminho.