quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Telenovela: decadência ou evolução?

Brasil, década de 70. Duas copas perdidas: 74 e 78. Tempos do milagre do Delfim, do império Médici-Geisel, dos fechamentos do Congresso, do bi-partidarismo, dos atos institucionais. Um país subjugado pela ditadura e pela censura imposta goela abaixo. Uma nação conformista, repleta de movimentações solitárias de indignação contida.

Nesta época, a comunicação engatinhava. No âmbito cultural, novas experiências musicais ganhavam fôlego com Chico, Milton, Mutantes, Elis, Gil e Caetano. A teledramaturgia consolidava-se em um país que não podia reclamar. Um povo de mãos atadas que, diante da repressão, optou por assistir um enredo que lhe desse direito a um final feliz. A TV passava a se tornar um refúgio seguro e a novela, uma diversão ideologicamente neutra e gratuita. Saudosos eram os bons e velhos anos 70. Tempos em que a programação era criativa e os valores preservados. Hipocrisia! Papo de gente caquética, de povinho burro, incapaz de abraçar novos costumes. Discurso de velho.

O brasileiro tem esse hábito ridículo que se apoiar em contextos passados para justificar as mudanças do presente. Vive de comparação: do carro dos amigos, do apetite sexual do vizinho, de rendimento da esposa. Por isso fica estagnado ou conformado com uma vidinha medíocre. Aí fica se lamentado em casa, culpando a novela das seis pelo seu enredo vazio. Então, espera pela trama das sete. Outra porcaria. Zapeia. Nada de bom passando. Saudade dos anos 70. Época em que pais e filhos se reuniam para ver o Jornal Nacional. Logo em seguida, a tradicional novela das oito. Tolice! Era pura falta de opção. Viam televisão na sala porque não havia no quarto, muito menos internet. Era o que tinha.

Estampam nos jornais manchetes de que a Rede Globo passa por uma crise na dramaturgia. Como se isso fosse algo grave. Acordem. Estamos na era da TV Digital, das novas mídias. Isso não significa a destruição da família brasileira, apenas a substituição de hábitos. E agora, vários pseudo-saudosistas surgem com protestos e comparações da programação de hoje e dos anos 70. Então que voltem para ditadura e que todos os raios os partam!

O motivo do alarde: as três novelas da Rede Globo registram as piores audiências dos respectivos horários desde 1970. Segundo aponta matéria do jornal Folha de S.Paulo, a trama em estado mais grave é a das 18h. "Negócio da China" registrou média de 21 pontos na Grande SP durante as duas primeiras semanas em que esteve no ar. Índice inferior ao de "Ciranda de Pedra", com 22 pontos no mesmo período.
"Três Irmãs” também amarga dados negativos, ainda piores que "Bang Bang", de 2005. Seus primeiros 30 capítulos marcaram 26,9 pontos, contra 30 da trama protagonizada por Fernanda Lima. Até as produções das 21h sofreram queda, influenciadas pela dramaturgia da rede concorrente. "A Favorita" conquistou opacos 37,6 pontos de média em seus 120 primeiros capítulos. A antecessora "Duas Caras" teve 1,3 a mais no mesmo período.

Nos outros canais, a dramaturgia se desenvolve e divide o bolo publicitário com a emissora líder. Na Record, dois roteiros inéditos estão em cartaz. E o melhor, com boa audiência, entre 13 e 16 pontos. No SBT, a enésima reprise de “Pantanal” faz a festa do Patrão, com médias na casa dos 13/14 pontos. E, para a alegria do mercado, novos títulos estão por vir: “Passión de Gavinales”, na Band, e a controversa “Revelação”, de Íris Abravanel.

O mercado está mais competitivo, inclusive no ramo das telenovelas. A Rede Globo ainda é líder isolada, com folga. O telespectador, aos poucos, muda de hábito e as novas mídias trazem outras opções de entretenimento. Isto se chama evolução. Criticar a pulverização da audiência é mais ou menos como cultuar a ditadura. Permitir que a comunicação fique restrita somente a um grupo é um retrocesso. Um brinde à liberdade de escolha, ao mercado, aos novos talentos e à democratização da informação.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A nova geração do humor brasileiro.

O humor passa por um momento de amadurecimento. O gênero “comédia stand up”, cada vez mais popular no Brasil, possibilitou a apresentação de ótimos textos, sem a necessidade de grandes investimentos em recursos técnicos. É a vitória do conteúdo. Um microfone na mão e muitas idéias na cabeça: os elementos necessários para uma encenação divertida, irreverente e improvisada. Redigir tais roteiros, contudo, exige velocidade de raciocínio, estudo e conhecimento multidisciplinar. Hoje, as piadas estão datadas, cada vez mais temporais e contextualizadas com o cenário sócio-político e econômico. A opinião pública, enfim, despertou para o humor inteligente.

Os formatos televisivos têm seu ciclo de vida. Eles envelhecem e o público se renova. Isso não quer dizer que o humor de Chico Anysio esteja fadado ao esquecimento. As novas gerações, todavia, desconhecem cada vez mais o trabalho deste grande humorista. O fato de estar fora do ar amplia ainda mais este ostracismo. Há ainda os programas que não se reinventaram com o tempo, como o caquético “A Praça é Nossa”. A estética, o roteiro, o cenário e as piadas cheiram a naftalina. O enredo insiste em privilegiar a sexualidade, a homofobia e as piadas de duplo sentido.

“Zorra Total” também investe em uma estrutura semelhante à da Praça, com algumas vantagens: o amparo técnico da Rede Globo, cenários elaborados e um polpudo orçamento de produção. No elenco, grandes nomes da dramaturgia nacional. O resultado, contudo, deixa a desejar. Muito carnaval para pouco conteúdo. E pior: com público garantido e audiência em alta.

Um dos representantes da nova geração do humor brasileiro é o “Pânico na TV”. A versão televisiva do programa radiofônico estreou em setembro de 2003, aos domingos, na RedeTV!. Abrigada em um horário bastante disputado, inicialmente às 18h, a trupe de Emílio Surita começou a se destacar com a sua comicidade non sense. Perguntas indiscretas, quadros bizarros e intervenções esdrúxulas chamaram a atenção de um estrato até então marginalizado na programação dominical aberta: os jovens de classe ABC.

Desde sua criação, o trash passou a ser um dos elementos principais do “Pânico na TV”, uma atração declaradamente kitsch e grotesca. Por possuir um público altamente qualificado e formador de opinião, virou um retumbante sucesso comercial e atraiu anunciantes de diversos segmentos. Um filão de mercado que estava adormecido, concentrado nas TVs fechadas.

Atenta aos resultados do programa da RedeTV!, a Band importou da argentina os direitos de adaptação de “Custe o que Custar”, um formato que mistura jornalismo com humor. Fatos políticos, artísticos e esportivos são abordados de forma satírica e debochada. Apresentado por Marcelo Taz, Marco Luque e Rafinha Bastos, traz matérias que envolvem pessoas públicas, como políticos, celebridades e jornalistas, com perguntas pouco discretas e inconvenientes.

O foco do “CQC” é diferente do “Pânico da TV”. O primeiro opta por um um jornalismo irreverente e temporal, o segundo prima por factóides, sem qualquer compromisso com a verdade. O interessante, neste caso, é que cada um deles adquiriu sua identidade própria e audiência cativa.

Os humorísticos, enfim, se diversificaram e enriqueceram as suas pautas. O público também contribuiu para esta evolução. O brasileiro sempre teve o costume de rir dos seus problemas. Na maioria das vezes, zombou da política sem sequer saber que os verdadeiros palhaços não estavam no Palácio, mas sim atrás das urnas. Hoje, permanecemos rindo, mas com um pouco mais de discernimento. E as sátiras têm suas contribuições. Elas fazem com muita gente discuta e reflita sobre as questões sociais. Nem que seja para fazer graça. Parece piada, mas é verdade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Um olhar sobre o fundo do poço

Vivemos com a sensação de que no passado tudo foi melhor. O sorvete de chocolate tinha um gosto mais apurado, os jovens eram mais politizados, a televisão voltada para a família e a música com conteúdo mais inteligente. Saudade dos bons e velhos tempos. Tolice. O brasileiro tem essa mania boba de voltar ao passado e alardear para a deturpação dos valores. Um saudosismo da época em que a disciplina era fruto de uma ditadura burra. Pura hipocrisia! Com a abertura política, a televisão ficou mais livre e mais inteligente. No final dos anos 90, contudo, a liberdade virou libertinagem. A TV aberta, de fato, se abriu: ao faturamento e à guerra fria na busca pela preferência popular.

Em 23 de agosto de 2000, a Revista Veja publicou números da guerra pela audiência entre dois grandes apresentadores de TV em uma matéria intitulada: “A estratégia de Gugu para tornar-se o rei dos domingos”. Noticiava que o programa do SBT, há doze semanas, levava vantagem sobre o concorrente Global. A tática era concentrar os quadros de “primeira” linha durante o confronto com Fausto Silva.

Nesta época, os telespectadores assistiam a um turbilhão de quadros de gosto duvidoso. O SBT tinha a libidinosa Banheira do Gugu, em que artistas de baixo calão esfregavam-se em uma disputa entre homens e mulheres em busca do maior número de sabonetes. Era um festival de peitos e bundas. Closes quase ginecológicos preenchiam a tela. Um prato cheio para a criançada. Havia também o concurso “Carla Perez Mirim”, em que as menininhas se vestiam feito a loira do Tchan, com direito a um figurino quase obsceno e gestos nada infantis.

Mudando de canal, a Rede Globo mostrava-se disposta a abrir mão do seu cultuado padrão de qualidade, pelo menos aos domingos. Destaque para a disputa das novas integrantes do É o Tchan, responsável pelos maiores picos do Domingão do Faustão. Ainda nessa época foi apresentado o Sushi Erótico. No quadro, os atores degustavam comida japonesa sobre o corpo de modelos nuas. Outro exemplo foi o caso Latininho, quando o programa explorou a imagem de um deficiente de modo grotesco.

Um pouco mais tarde, no início desta década, essas apelações conquistavam lugar até mesmo nos dias de semana. Márcia Goldschimidt e João Kleber apresentavam seus particulares shows de horrores. O primeiro trazia uma pauta baseada em um falso assistencialismo. Casos reais (até que alguém prove o contrário) eram levados ao palco, em uma espécie de tribuna popular. O segundo tinha uma proposta, a princípio, humorística, condizente com o antigo slogan da emissora “uma opção de qualidade na TV”. Com o tempo – e com quadro teste de fidelidade, especificamente – virou um festival de erotismo e um teatro de quinta categoria.

Hoje, a televisão está mais ponderada e, até certo ponto, regulamentada. Novelas como “Uga Uga”, por exemplo, não seriam mais liberadas para a faixa das 19h. Como reflexo de toda essa náusea televisiva, a programação expeliu, mesmo que forçosamente, algumas reações. João Kleber e suas pegadinhas politicamente incorretas levaram a um rumoroso processo que fez a RedeTV! ser retirada do ar em São Paulo. Dispensado pela emissora, o humorista trabalha hoje em Portugal. Márcia, após um período afastada da TV, voltou a apresentar um programa de auditório nas tardes da Band. O conteúdo está menos apelativo. A apresentadora, contudo, ainda faz um jogo cênico irritante, ainda que comedido.

Gugu Liberato, após sucessivas quedas de audiência, amplificadas pela farsa do PCC, em setembro de 2003, hoje investe em uma pauta voltada para o assistencialismo e para o entretenimento. Faustão reergueu o seu programa, com a participação de grandes nomes do elenco global, e retomou a liderança.

A TV vive um momento interessante. Aos poucos, a audiência se pulveriza e se qualifica. Emissoras, como a Rede Record, enfim perceberam que entretenimento inteligente agrega faturamento. Baixaria pode até atrair audiência, mas não necessariamente anunciantes. Vendo por esse ângulo, chegamos ao fundo do poço e evoluímos. E como brasileiro adora felicidade por comparação, eis a verdade: já foi bem pior.

Aprendemos a vomitar tudo aquilo que nos faz mal. O ideal seria não precisar desse artifício. Logo poderemos desenvolver uma bulimia e, estando doentes, as pragas voltam, nuas e cruas, prontas para atacar os sistemas nervosos e esvaziar ainda mais a TV aberta.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Capítulo 4: o carnaval e a pobreza


Uma das possíveis razões do sucesso de Chaves é sua identificação com a cultura dos países latino-americanos, não somente pelos parâmetros econômicos, mas também sociais. Tal qual Charles Chaplin, Roberto Bolaños criou uma atmosfera carnavalizada no seriado. Produziu um humor circense, teatral e baseado na pobreza. Com isso, uniu a falta de técnica ao conteúdo do programa.

É no espaço da carnavalização que se encontra um dos elementos mais interessantes do seriado mexicano. Chaves é, em grande parte, uma carnavalização de contextos e papéis sociais e também de produtos e propostas estéticas. A começar pelos personagens. Crianças são interpretadas por adultos. Os maduros, por vezes, têm atitudes infantilizadas. O mesmo autor interpreta dois personagens, adulto e criança – como o caso de Florinda Meza, que vive Dona Florinda e Pópis, e Maria Antonieta de Las Nieves, que interpreta Dona Neves e Chiquinha.

A carnavalização também transparece a forma como a pobreza é representada. Em vez de utilizar o cortiço para um fim dramático, Bolaños utiliza o ambiente para sua ambigüidade paródica. A pobreza, que é triste, vira pretexto para o humor, que representa a alegria. “Bolaños faz com que a fome, que poderia ser pretexto para algo lamurioso ou panfletário, seja trabalhada sob uma ótica circense, para fazer rir” (KASCHNER, 2006, p.59).

O carnaval pode ser um dos motivos de aproximação entre o contexto do seriado com o cenário brasileiro. No humorístico, a cronologia pára, adultos são crianças e dívidas são perdoadas. Assim é o nosso carnaval. Durante poucos dias, ricos e miseráveis são iguais. Os morros enfeitam-se de lantejoulas e a pobreza vira beleza. Por tempos, dirigentes e operários, empregados e desempregados se esquecem da economia, da crise, dos problemas e uma nação cheia percalços vira o país do carnaval.

Outro argumento que pode justificar a empatia do público com o humorístico é a justaposição do enredo à técnica. Personagens feios, cenários mal acabados, iluminação precária: Chaves é, definitivamente, um programa fora dos padrões convencionais no que tange à estética.

O conteúdo do seriado, apesar de contar com um roteiro inteligente e bem costurado, não pode ser considerado inovador. Ele não traz grandes novidades. Ao contrário, na vila do Chaves, pouco ou quase nada acontece. Seu humor baseia-se no grotesco, tanto pelo figurino, quanto pelas previsíveis ações dos personagens. A repetição, inclusive, pode ser encarada como um dos temperos do humorístico. Os telespectadores esperam as piadas e, ainda assim, riem delas. E isso é reconfortante para quem assiste. Eco, em Sobre os espelhos e outros ensaios, explica esse comportamento na suposição da “necessidade do leitor das séries consolar-se tanto com o retorno do idêntico, mesmo que mascarado, quanto com sua capacidade de prever o desenrolar da história, saboreando assim a possibilidade efetiva do retorno daquilo que ele espera acontecer.” (ECO 1991, p.56).

No enredo, é possível observar claramente situações e diálogos que se repetem: a pancada que o Sr. Barriga recebe do garoto Chaves assim que entra na Vila, a bofetada que Sr. Madruga leva de Dona Florinda – geralmente por um ruído na comunicação -, o clima melodramático que se instaura no encontro de Florinda e Girafales, entre outros.

CONCLUSÃO

Dono de um humor neocantinflaniano, Chesperito é a forma mais sublime de traduzir a simplicidade de um circo. Bolaños é um comediante sensível, que faz do humor sua poesia; da representação de sua nação, seu cenário; seus personagens, memoráveis. Quem enxerga mais do que a superficialidade de El Chavo del Ocho pode perceber a riqueza de seu universo circense.

Chaves representa um estereótipo sócio-cultural do México e, por conseguinte, da América Latina. E é por esse motivo que há tanta empatia com os países subdesenvolvidos. A utilização dessas caricaturas, segundo o próprio autor, é uma forma de se identificar com o público do seriado. A contribuição de Chaves para construção dessa identidade, portanto, é meramente ilustrativa e não cumpre o papel de denúncia. Bolaños foi taxativo ao afirmar que a função do humorístico não é desenvolver uma crítica social, mas sim entreter. Para ele, Chaves é apenas um garoto pobre que passa fome e vive em lugar pobre. Para se inspirar no cenário da vila, bastou olhar em volta.

A critica do seriado surgiu “sem querer querendo”. É quase impossível representar um povo sem tocar em valores ou aspectos sociais. Chaves faz sucesso por tentar reproduzir, mesmo que de forma caricatural, aquilo que realmente é. Se Dona Florinda fosse bela, Chaves rico, Sr. Barriga vilão e professor Girafales herói, o seriado perderia o sentido. É mais fácil nos identificarmos com a realidade de Chaves do que com o universo fictício Super Homem.
Em El Chavo de Occho, os telespectadores se vêem e, de certa forma, orgulham-se disso. É como afirmar que o Brasil é o país do carnaval. De fato, nossa nação não se resume ao samba, mas nós somos identificados dessa maneira no exterior. Recebemos tal estereótipo que, de certa forma, nos dá orgulho e nos diferencia de outras culturas.

A carência técnica contida no humorístico tornou-se um saboroso tempero. A feiúra e a miséria, no espaço da carnavalização do seriado, tornam-se engraçadas e caricatas. Um divertido circo pobre, repleto de palhaços. De Hollywood, fica a referência do humor pastelão. Esteticamente, Chaves subverte o modelo norte-americano e, ainda assim, encanta pela simplicidade. A vitória do conteúdo sobre a forma.

A carnavalização e a construção de uma identificação com o México subdesenvolvido revisita um humor de raiz, ora escrachado, ora poético. Assim é El Chavo del Ocho, um programa que sabe rir da pobreza sem ofender, que toca os corações sem fazer chorar.


Referências deste capítulo:
ECO, Umberto. Sobre espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
KASHNER, Pablo. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Capítulo 3: a negação e a afirmação da estética norte-americana

RESUMO:

Penúltimo capítulo do artigo “Chaves: um estereótipo da latinidade mexicana”, escrito por João Cláudio Lins. Trata-se de uma análise, em quatro partes, do programa Chaves, exibido no Brasil há vinte anos. Examina-se a forma e o conteúdo do humorístico, que carnavaliza a pobreza de uma comunidade e aposta na produção de um humor circense. Ao fim, faz-se uma comparação formal e narrativa do formato, a partir da afirmação e negação da estética norte-americana.

A NEGAÇÃO E A AFIRMAÇÃO DA ESTÉTICA NORTE-AMERICANA

O programa humorístico Chaves, exibido no Brasil há mais de 20 anos, realiza algumas inversões na estética dos seriados hollywoodianos. O glamour norte-americano parece ter sido desprezado nos roteiros cômicos de Chespirito. A tendência de enaltecer o belo, a ascensão social e a riqueza foi ignorada, dando lugar a cenários enjambrados, pobres, feios e escuros.

No seriado não há donzela, tampouco moças bonitas. Não há galãs também. Enfim, a beleza estética parece estar em segundo plano no humorístico. A cronologia de Chaves é confusa, recheada trechos do cotidiano, sem ligação entre um capítulo e outro. Há, contudo, uma marcada apologia à igualdade feminina, algo bem distante do estereótipo da mocinha indefesa. Na vila, todas as mulheres são independentes. Nenhuma delas está atrelada ao marido ou cônjuge. Nota-se, de modo bastante claro que, tanto as moças adultas, como Dona Florinda e Dona Clotilde, quanto as meninas, como a Chiquinha, exercem poder de influência sobre os homens. E ainda são mais inteligentes e perspicazes.

Diferentemente dos heróis simbólicos, que unem à sua bondade a verdade e a beleza, os personagens do seriado Chaves são pessoas marginalizadas que moram num cortiço. Não há roupas de grife e nem gente bonita. Há indivíduos de carne e osso cujas condições sociais não permitem que se apresentem de forma fina e elegante (YGLESIAS, 1990). O elenco de Chaves, em geral, caracterizam tipos humanos desfavorecidos pela natureza: desengonçados e com rugas, magros ou gordos demais. Características que contrapõem a estética maniqueísta de Hollywood, em que o belo representa a verdade e o bem enquanto o feio representa o mal.

Em El Chavo del Ocho não há preocupações formais em “maquiar” as crianças da vila. São personagens infantis interpretados por adultos que utilizam roupas coloridas e têm atitudes infantilizadas e circenses. A estética hollywoodiana, apesar de tolerar estereótipos, tende a ser mais verossímil. Crianças quase sempre são interpretadas por crianças.

O mais relevante a analisar é que esse tipo de representação quebra a lógica convencional, mantendo uma certa ambigüidade: as figuras de Nhonho, Chaves, Chiquinha e Quico são interpretadas por atores adultos, mas psicologicamente representam crianças. Yglesias (1990) lembra que os telespectadores sabem desse detalhe e, mesmo assim, assimilam os personagens como figuras infantis.

Os adultos, por sua vez, também não escapam à ambigüidade, participando do jogo de desestabilização dos papéis sociais. É bastante comum vermos os personagens de Sr. Madruga, Dona Florinda, Professor Girafales, Dona Clotilde e Sr. Barriga comportando-se de modo infantil: brincam, choram, gritam e fazem gestos. Essas atitudes, muitas vezes, criam uma ruptura da ordem estabelecida, em que adultos são normalmente responsáveis e crianças são, em parte, inconseqüentes.

Outro ponto a ser considerado: no seriado Chaves, as famílias são incompletas. Mais uma contraposição à estética comum, em que os indivíduos geralmente possuem diversas referências de parentesco, com a presença do pai, da mãe, dos filhos e dos irmãos. Muitas sitcons americanas, por exemplo, se desenrolam dentro de um círculo familiar.

Apesar de inegáveis elementos que deturpam o padrão estético e narrativo norte-americano, Chaves também possui características que o afirma: o humor circense, por exemplo. Ele parece receber influência de grandes comediantes, como Cantinflas, humorista latino-americano de notável sucesso, Charles Chaplin, Os três Patetas e O Gordo e o Magro. As comédias pastelão, o trunfo hollywoodiano das primeiras décadas do século XX, foram, sem dúvida, relevantes na composição dos personagens e no desenvolvimento de Chaves.

No próximo – e último - capítulo: A identificação de Chaves com o público latino-americano e a conclusão do artigo.

Referências deste capítulo:
YGLESIAS, Maria Perez. El Chavo del Occho: por que los aman los niños? Revista Herência: Editorial de la Universidad de Costa Rica (UCR), set.1990.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A caricatura da pobreza

Capítulo 2 do artigo: “Chaves: um estereótipo da latinidade mexicana”

RESUMO:

Segundo capítulo do artigo “Chaves: um estereótipo da latinidade mexicana”, escrito por João Cláudio Lins. Trata-se de uma análise, em quatro partes, do programa humorístico Chaves, exibido no Brasil há vinte anos. O seriado concentra personagens e contextos que criam, de modo estereotipado e caricatural, uma identidade sócio-cultural do México. O programa realiza uma espécie de anti-cultura da estética hollywoodiana, construindo personagens feios e pobres, que se cruzam num cortiço mexicano, na década de 70. Analisa-se aqui a contribuição do seriado na construção dessa identidade. Examina-se também a forma e o conteúdo do referido humorístico, que carnavaliza a pobreza de uma comunidade e aposta na produção de um humor circense. Ao fim, faz-se uma comparação formal e narrativa do formato, a partir da afirmação e negação da estética norte-americana.


CHAVES E A CRÍTICA SOCIAL

Há quase 40 anos sendo exibido no México e há mais de 20 no Brasil, Chaves chamou a atenção do público e da crítica pelo seu conteúdo simples e despretensioso. Para se ter idéia do sucesso do seriado, seria como se o programa “Família Trapo”, exibido no Brasil na década de 70, fosse visto até hoje e tivesse aceitação e repercussão entre as novas gerações. Kashner (2006) vê o humorístico como um fenômeno televisivo. Um formato que não envelhece e que atrai cada dia mais fãs. Alguns estudiosos, contudo, discutem a “simplicidade” e a “despretensão” de Chaves.

Domingues (2002), em um ensaio “Labirinto em vale de lágrimas televisivas”, questiona o seriado quanto à sua alienação frente à realidade mexicana. Para o autor, o seriado distancia-se do mundo em que vive, provocando nos telespectadores uma mensagem de conformismo, como se a pobreza fosse algo natural. Para ele, Chaves é o produto da falta de critica resultante de anos de ditadura. Diz que interrogar El Chavo é questionar um seriado que se promove com o espetáculo da miséria, que concentra histórias e contextos acerca de uma vila pobre e de uma criança desamparada. Para ele, o enredo propõe uma ideologia estética de violência gratuita descarregada todos os dias nas consciências infantis.

Contrapondo Domingues, Yglesias (1990) aponta a valorização da ética da solidariedade sugerida pelo seriado. A autora admite, em seu ensaio publicado na revista Herência, que há, de fato, uma diferença social entre os personagens do seriado Chaves. Numa mesma vila, juntam-se uma família que perde o status econômico com a morte do patriarca, um menino de rua abandonado, uma anciã solitária e um desempregado viúvo que mora com a filha. Suas aspirações sociais são diferentes. “Os personagens que vivem fora da vila não atuam como uma ameaça real para o meio: tanto o intelectual (o professor) como o proprietário (Sr. Barriga) penetram no ambiente como algo positivo, parecem querer abrir a esperança para um mundo melhor, onde todos pensem e se preocupem com os outros. (...) O problema social é um problema do Estado, da sociedade, isso é inegável. (...) O mundo que representa El Chavo del Ocho é um mundo solitário e não maniqueísta, em que os personagens não são heróis, nem anti-heróis, nem bons, nem maus. Os personagens são pessoas um pouco estranhas e pouco convencionais. São seres humanos que atuam melhor ou pior segundo as circunstâncias, ainda que a sociedade não os favoreça, representam essencialmente o positivo.” (YGLESIAS, 1990).

Para Valdizán (2005), no seriado, a fraternidade entre os personagens supera as divergências que sempre haverá entre as pessoas. Para ele, Chaves faz sucesso por ser um fenômeno de massa com códigos e personagens universalmente latinos: o “malandro” (o astuto que dribla a pobreza), pequenas doses de melodrama folhetinesco (satirizado pelas cenas de romance entre Girafales e Florinda), a precariedade de uma vila suburbana, entre ourtos. Ele nos faz rir com roteiros que, em condições realistas, deveriam incomodar. Kaschner, em sua obra, aponta para a ótica humanista do seriado, afirmando que “nenhum personagem é mostrado sob a ótica maniqueísta, do bom versus o mal. Representados sob uma ótica humanista, todos têm suas nuanças. Para além do estereótipo, os personagens se mostram humanos, têm seus contrários conciliados, jamais anulados”. (KASCHNER, 2006, p.102)
Em entrevista à revista Veja, ao ser questionado sobre o posicionamento político do seriado, Roberto Bolaños defendeu-se. Para o autor, o seriado não foi concebido para criticar o modelo político em que vivemos. Mostra-se passivo às críticas e reforça que Chaves é apenas um humorístico infantil e que suas pretensões limitam-se à diversão e não ao protesto. (VALLADARES, 1999).

OS PERSONAGENS E A IDENTIDADE SÓCIO-CULTURAL DO MÉXICO

Em um contexto geral, os personagens de Chaves, enquanto representações estereotipadas de um estrato marginalizado do povo mexicano, apresentam traços não somente sociais, mas também elementos psicológicos bem demarcados. Expondo fraquezas, incompletudes e mesmo fracassos pessoais e profissionais, a despeito de toda a caricaturização, carregam a complexidade dos seres humanos que vivem em um ambiente pobre e excluído. Por exemplo, o personagem de Sr. Madruga é viúvo. Sua filha, Chiquinha, não tem bons modos, talvez por não ter em casa uma figura materna para orientá-la.
Dona Florinda é viúva e Quico, portanto, não tem pai. Sr. Barriga cuida sozinho de seu filho, Nhonho. O professor Girafales é um professor de escola pública solteiro. Adoraria se casar, mas com seu ínfimo salário (professor no México também é desvalorizado) não pode sustentar mais duas pessoas.

Todos os personagens da vila sofrem preconceito contra suas condições sociais. Sr. Madruga não tem emprego. Dona Clotilde não trabalha e vive de uma pensão. Dona Florinda depende da aposentadoria de seu finado marido. O garoto Chaves sobrevive somente da caridade alheia. Desde um ponto de vista político-ideológico, em aparência, estaríamos diante de um programa profundamente conservador. Uma atração que legitima a marginalidade, a pobreza e não propõe troca alguma (YGLESIAS, 1990).

No que se refere aos papéis de gênero, o seriado inova, quebrando a estrutura folhetinesca em que o homem é bravo, dominador e a mulher, frágil, dócil e ingênua. Além de sugerir igualdade entre os sexos, faz uma verdadeira inversão de papéis e vai de encontro ao “machismo mexicano”. Tudo isso na década de 1970.

Em matéria à revista mexicana Herência, Yglesias questiona se “aqueles que vêem o programa dentro de uma visão eminentemente política podem se perguntar: ‘Qual é a esperança de integração destes personagens ao mundo externo, à sociedade?’” (YGLESIAS 1990). De fato, El Chavo del Ocho não apresenta soluções nem para o México e nem para os países pobres. E parece nem ter essa pretensão. O programa foi feito apenas de trechos do cotidiano, embalados por pequenas lições de moral e lições de igualdade.

Kaschner (2006) propõe reflexões interessantes em sua obra, intitulada “Chaves de um Sucesso”: analisa fatores que exploram o jogo de espelhos entre a ficção de Chaves e a realidade latino-americana. Destaca que a vila é um espaço peculiar de convívio de pessoas de classes sociais bastante díspares, assim como acontece nas nações subdesenvolvidas. Aponta também para o fato de os protagonistas do seriado não terem padrões importados. São mais próximos da a realidade latino-americana. Eles vivem situações cotidianas, às vezes esdrúxulas, que se contrapõem às narrativas vitoriosas dos EUA, chamando a atenção para nossa realidade, com todas as contradições e problemáticas. Kaschner analisa, ainda, semelhanças sócio-culturais entre o Brasil e o México: imensidão do território, a pujança cultural e o grande potencial econômico em contraste com a miséria social. São povos espirituosos, que riem de si mesmo, um dos aspectos primordiais do humor.

No próximo capítulo: A negação e a afirmação da estética Holywoodiana.

Referências deste capítulo:
KASHNER, Pablo. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006
VALLADARES, Ricardo. Entrevista com Roberto Bolaños. Veja: São Paulo, 20 out, 1999.
DOMINGUES, Fernando Buen Abad. Laberinto em el Valle televisivo. Madrid: Ediciones Laberinto, 2002.
VALDIZÁN, Rafael. El Comercio. Disponível em: . Acesso em:16 nov. 2005.
YGLESIAS, Maria Perez. El Chavo del Occho: por que los aman los niños? Revista Herência: Editorial de la Universidad de Costa Rica (UCR), set.1990.

domingo, 5 de outubro de 2008

Chaves: Um estereótipo da latinidade mexicana. Capítulo 1.

Artigo de autoria de João Cláudio Lins, dividido em 4 capítulos.

Um cortiço pobre do subúrbio do México, um garoto de oito anos que passa fome, personagens caricatos, desocupados e desempregados que convivem no mesmo espaço: um roteiro propício para um melodrama, repleto de situações idealizadas, com mocinhos e bandidos, a luta do bem contra o mal, a vitória dos justos, a ascensão social e um final feliz. Até poderia ser, mas não é. Trata-se de Chaves, um seriado mexicano assinado por Roberto Gómez Bolaños, um inovador na linguagem humorística. Um formato que utiliza uma estética grotesca e estereotipada, linguagem cômica e que esboça uma tentativa de estereótipo da nação mexicana.

O sucesso deste programa humorístico é notável, não apenas em seu local de origem, mas em grande parte dos países latino-americanos. O apelo do conteúdo de Chaves já passou por milhões de lares e, mesmo sendo exaustivamente reprisado, ainda obtém êxito e reconhecimento: conhecido em mais de 120 países, exibido em 80 nações e dublado em dez idiomas. Mais que isso, consagra-se como um dos mais importantes produtos televisivos mexicanos já exportados. Um humorístico que reúne fragmentos de imagens de uma nação rodeada de pobreza e pessoas marginalizadas

O AUTOR E A CONSTRUÇÃO DO SERIADO

Polivalente deste pequeno. Ora, desde pequeno pode até ser uma ironia (ele mede 1,60m.), mas não há dúvidas de que o adjetivo multifacetado, referente a Roberto Gómez Bolaños, lhe cai como uma luva. Escritor, publicitário, desenhista, compositor, ator, diretor, produtor e pai de seis filhos, Bolaños provou desde cedo que seu tamanho é inversamente proporcional às suas habilidades.

Chesperito, conforme foi designado pelo diretor de cinema Augustín P. Delgado, construiu, durante sua carreira, um humor ora poético, ora debochado, ora sentimental. Talvez por toda essa diversidade de gêneros, foi apelidado de “pequeno Shakespeare”, codinome “Chesperito”. Seu humor, provindo de muitas referências chaplinianas e cantinflanianas, foi responsável por uma grande conquista: expandir o humor escrachado e carnavalizado dos países subdesenvolvidos em todo o mundo, inclusive nas nações mais abastadas.

Bolaños foi criador de grandes personagens televisivos e literários, como Chapolim Colorado, Chaves, Chompiras, Dr. Chapatim e muitos outros fizeram a alegria de muitos telespectadores durante décadas. Dentre todos, dois ganharam programas homônimos de meia hora: Chaves e Chapolim.

Chaves, criado no início da década de 70, no México, fez sucesso sem explorar nudez, sexo e piadas chulas. Por detrás de um cenário pobre e precário, a estética circense recebe a sustentação de um roteiro bem estruturado e de atores muito preparados. Soares (2000) relaciona as falhas técnicas do seriado com a estética do kitsch, que se entende como o gosto pelo excesso, o senso comum da estética, a arte sem revelação, pré-significada, cristalizada. Kitsch é um nome que serve para definir ornamentos e filmes que são feitos sem muita seriedade, são sentimentais e freqüentemente ridicularizados pelas pessoas por causa disso.

Segundo Eco (2000,), kitsch é a comunicação que tende à provocação de um efeito; remete a um objeto ou obra produzidos com intenção de provocar um efeito pré-significado, um senso comum da estética. Kashner (2006, p.113) discorda de Soares e defende que o seriado não pode ser considerado kitsch. “Chaves não pretende ser nada além do que é – apenas um seriado latino-americano sem dinheiro na produção – para concluir que não se trata de um seriado kitsch”.

A retomada de uma estética de espetáculo antiquado e cafona, que rejeita os aparatos técnicos, repercutiu não somente no México, mas também do mundo. Graças ao personagem Chaves, Roberto Bolaños ficou conhecido em mais de 120 países. (VALLADARES, 1999). Atualmente, El Chavo del Ocho é exibido em quase toda a América Latina, tem dublagens em mais de dez idiomas e já foi exibido em mais de 80 países. (KASHNER, 2006).

O sucesso do seriado projetou mais um fragmento do estereótipo do México para o mundo. Para Gahagan (1980, p.70), “um estereótipo é uma supergeneralização: não pode ser verdadeiro para todos os membros de um grupo (...). O estereótipo é, provavelmente, muito inexato como a descrição de um dado sujeito”. Ao contrário das novelas mexicanas, que misturam o rico e o pobre, Chaves inovou ao apresentar um estereótipo que evidencia a pobreza e a estagnação social. No humorístico, o belo inexiste e as técnicas de produção são precárias. O que se vê são trechos do cotidiano de uma vila do subúrbio mexicano. Não precisa ter nenhum senso crítico mais apurado para constatar que o seriado é uma tentativa de retrato, dominada pela caricatura que é comum a esse tipo de linguagem, dos países subdesenvolvidos, em especial do México.

Interrogado pela revista Veja sobre a inspiração do seriado, Chesperito admite uma forte referência ao subdesenvolvimento da América Latina, no contexto histórico e geográfico do autor. “Foi só olhar em volta. Existem várias favelas na América Latina, as diferenças sociais são muito grandes. O Chaves é uma criança pobre que não cresce porque não come. O personagem faz sucesso em qualquer lugar onde haja fome”. (VALLADARES, 1999, p.13).

No seriado encontramos estereótipos típicos da população marginalizada. Personagens como o Sr. Madruga, interpretado por Ramon Valdez, é um típico pai de família desempregado. Sem trabalho, vive de bicos, fugindo da cobrança do aluguel e dos demais impostos. Nota-se, nessa figura, uma característica bastante evidente do México, a luta pelo dinheiro que garanta a sobrevivência diária. Em diversos episódios, o personagem passa grande parte do tempo no trabalho informal. Sr. Madruga não paga o aluguel pois não tem serviço, e por isso deve favores ao dono da casa em que mora, o Sr. Barriga (Edgar Vivar), um senhor gordo, rico, com características de burguês. Nota-se, nesse contexto, uma relação de dependência entre o mais rico e o mais pobre. Metaforicamente, pode ser vista como uma representação da condição do México: deve dinheiro, sabe dessa condição, não paga e, dessa forma, está atrelado às nações mais ricas.

Chaves, segundo seu autor, não teve a pretensão de discutir temas sociais. Roberto Bolaños foi categórico em entrevista à revista Veja, quando questionado quanto ao conteúdo não educativo dos programas infantis: “Isto [programas com conteúdo educativo] deveria estar a cargo das emissoras governamentais. Quem tem o objetivo de divertir não tem a obrigação de educar.” (VALLADARES,1999, p.13). Bolaños salienta sim uma crítica social que pode ter uma função pedagógica, mas essa crítica não cumpre o papel de denúncia. O que o autor busca, segundo ele próprio admite, é a identificação do público com os personagens e o contexto social.
O que se pode constatar é que, de forma intencional ou não, os personagens assumem um caráter francamente simbólico. Dona Florinda, por exemplo, é um típico exemplo de dama falida da sociedade que, depois da morte de seu marido, passa a depender da Previdência Social, empobrece e vai viver num cortiço junto à “gentalha”, como ela mesma diz. Cumpre assim, uma trajetória contrária à estética dominante. No seriado mexicano, ao contrário dos norte-americanos, vê-se um empobrecimento dos personagens de índole boa.

No humorístico, encontramos ainda o pomposo professor Girafales (Ruben Aguirre), um homem de quarenta anos, culto, que leciona em uma escola pequena, para alunos ricos e pobres, e ganha mal. Nesse caso, nos episódios gravados na escolinha do Chaves, nota-se uma certa antítese do quadro da educação mexicana. No seriado, a escola é para todos, tanto para Chaves e Chiquinha (Maria Antonieta de Las Nieves), que são pobres, quanto para Nhonho, que pertence à classe emergente.

Ainda no cenário político, nota-se a dependência dos menos estudados aos mais esclarecidos. Todos os personagens sofrem influência do Professor Girafales, que é tido, no contexto, como uma pessoa que detém o saber. Todos o respeitam e seguem seus conselhos. Há uma hierarquia, um fluxo não cíclico entre o emissor e o receptor, ou seja, o professor fala, a vila escuta. É uma relação passiva. Quem tem o saber tem o poder.

Outra mudança importante para o cenário mexicano dos anos 70 é a presença da mulher no mercado de trabalho. Alguns anos após estrear o seriado, a personagem de Florinda Meza deixa de ser dona de casa e abre um restaurante. A partir daí, passa a investir sua pensão em um negócio próprio. Nota-se, nesse contexto, uma certa inversão de valores. Por um lado, a mulher exerce poder sobre o homem, por outro, a figura masculina é obrigada a lidar com os afazeres domésticos, como acontece com o Sr. Madruga.

Personagens como Dona Florinda e Sr. Madruga contrapõem, ainda, o jogo hierárquico entre macho e fêmea. Madruga, que cuida da filha Chiquinha, mostra-se uma figura masculina feminilizada: ele passa roupas, lava louças e arruma a casa. Por outro lado, Florinda, além dos afazeres domésticos, é responsável pelo sustento da casa. É emancipada e tem um filho para criar. Por isso, paga as contas do mês e sustenta o lar.

No próximo capítulo: Chaves e a crítica social; os personagens e a identidade sócio-cultural do México.
Referências:
ECO, Umberto. Sobre espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
GAHAGAN, Judy. Comportamento Interpessal e de Grupo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
KASHNER, Pablo. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.
SOARES, Ana Carolina. O astuto homem do barril. Contigo. São Paulo, 19/08/2004.
VALLADARES, Ricardo. Entrevista com Roberto Bolaños. Veja: São Paulo, 20 out, 1999.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Literatura de latrina: a vida alheia em destaque.

São Paulo, 25 de setembro de 2008. “Quero que todos os paparazzi morram”, diz Murilo Benício, em reportagem para Ana Carolina Moura, do Portal Terra. No lançamento dos novos produtos Givenchy, no hotel Fasano, em São Paulo, o ator destacou que se sente incomodado ao ser fotografado em seus momentos de folga. "Eles são uma facção e essa perseguição é muito chata" – completa Benício. O intérprete do vilão Dodi, de A Favorita, afirmou que tem vontade de bater nesses profissionais, mas que passou a entender a ignorância das pessoas. Para ele, a solução para acabar com os paparazzi no Rio de Janeiro é uma lei que preserve a privacidade das pessoas.

Será que estampar capas de revistas de novelas incomoda o Senhor Benício? É claro que não, afinal, trata-se da promoção do seu trabalho como artista. A publicação que o mantém na mídia é, muitas vezes, escrita por esses profissionais que ele considera chatos e inconvenientes. Primeiro: jornalismo de entretenimento é um mercado rentável. Pode até ser marginalizado pela sua sindicância, mas ainda assim gera muitos empregos e move interessantes negócios. Segundo: privacidade é uma moeda de troca. A partir do momento em que você expõe sua imagem, tem que estar ciente de que a mesma será explorada, para o bem e para o mau.

Outra celebridade que não lida nada bem com os paparazzi é Carolina Dieckmann. A atriz, por algumas vezes, assumiu sua arrogância com a imprensa quando abordada fora do ambiente de trabalho. A intolerância da estrela gerou, inclusive, um processo contra a RedeTV!. Carolina entrou na Justiça contra a emissora depois que os personagens Vesgo e Silvio, do Programa Pânico na TV, levaram um guindaste para a frente de seu prédio e filmaram seu filho Davi no apartamento quando ela não estava em casa. Na ocasião, os apresentadores tentavam convencê-la a calçar as ''Sandálias da Humildade''.

Em comunicado oficial para a imprensa, a Rede TV! revelou que foi condenada a pagar R$ 35 mil à atriz e que esse valor já foi depositado em juízo. Dieckmann, em matéria publicada no Diário da Manhã On-Line (11/09/08) explicou o motivo de ter tomado a atitude de processar o programa: “Minha maior recompensa será nunca mais ver alguém ser humilhado, por eles ou por quem quer que seja”.

Ter a vida pessoal invadida realmente é bastante incômodo. Qualquer atitude, por mais boba que possa parecer, pode tomar proporções monstruosas, passíveis a inúmeras interpretações e a milhares de julgamentos. O artista passa a ser vigiado, suas atividades cotidianas monitoradas e sua intimidade exposta. Como em qualquer meio, o jornalismo de entretenimento tem seus bons e maus profissionais. Há também aqueles que sequer tem o diploma. Sem falar dos oportunistas. Hoje, qualquer idiota com uma câmera na mão pode ser paparazzi.

O termo nasceu no filme La Dolce Vita, de Federico Fellini, lançado em 1960. Havia um personagem chamado Paparazzo (Walter Santesso), um fotógrafo. A palavra “paparazzo”, em italiano, significa moscardo, uma espécie de mosca irritante. Nos últimos tempos, a função foi se valorizando e hoje rende excelente faturamento. Os profissionais da agência X-17, a maior de Hollywood dedicada à bisbilhotagem, recebem de R$ 1.300 a R$ 5.000 por semana.

Saber de todos os detalhes do casamento da Sandy não leva ninguém a lugar algum. O mesmo acontece com as discussões acerca do Big Brother Brasil. Trata-se, contudo, de um conteúdo que jamais se propôs ser educativo ou denso. Quem lê fofoca está em busca de diversão. Portanto, deixem que os hipócritas, que dizem só ler política e economia, critiquem o jornalismo de entretenimento. São os mesmos que tem no banheiro de suas casas revistas de sociedade e de celebridades No calor do trono, contudo, toda cultura tem seu valor, mesmo que seja para servir de papel higiênico.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Os ídolos e os babacas.

“Brasileiro é um povo solidário. Mentira. Brasileiro é babaca.” – diz Arnaldo Jabor em um texto áspero, enviado para milhares de e-mails. O jornalista, em depoimento a CBN Diário, em agosto de 2007, defendeu-se, negando a suposta autoria. Tratava-se, portanto, de mais um dos inúmeros ensaios atribuídos a escritores famosos para tentar ganhar credibilidade e a partir daí se espalhar pela Internet como um vírus de computador. É a infecção da falsa informação.

O brasileiro é oras solidário, oras ingênuo. Somos uma nação emotiva e, muitas vezes, trouxa. Nem pretendo entrar no mérito da questão política e ideológica do poder e da dominação. Assim como muitos compatriotas, mantenho minha conduta apolítica, preso a uma ignorância consciente, a qual não me orgulha nem um pouco. Vou me ater à minha área de formação: a televisão. Sendo assim, volto ao princípio desta discussão: o brasileiro é, criticamente, babaca?

Falar de Big Brother e discutir nosso caráter de julgamento daria uma extensa tese, afinal, entender os motivos que fazem os telespectadores eleger um participante em detrimento de outro envolve uma ampla discussão psicológica. Por isso, vou deixar este reality comportamental para um outro ensaio e analisar outro programa: o Ídolos.

Em sua terceira temporada no Brasil, a atração, em exibição pela Rede Record, vem alcançando índices interessantes, em torno dos 13 pontos. Na fase de audição, a edição mostrou-se leve, descontraída e bastante ritmada. Aos poucos, os jurados conquistaram o seu espaço, apesar das comparações com o quarteto da versão do SBT.

Na etapa do teatro, Ídolos eliminou os candidatos bizarros e as atenções voltaram-se para o comportamento e o desempenho dos participantes. A soberania da escolha permanecia nas mãos de Paula Lima, Marco Camargo e Luiz Calainho. Até então tínhamos um programa, se considerarmos o aspecto musical a que se propõe, justo. Agora, na fase das eliminatórias, o poder de decisão está na mão dos telespectadores. E é aí que tudo desanda. Os critérios deixam de ser profissionais e passam a ser afetivos. O público passa a votar à revelia do talento musical: por beleza, por piedade, por simpatia, por pena. Com isso, o resultado sai distorcido e nem sempre os melhores são eleitos. E a audiência vai se esvaindo ralo abaixo.

Nas duas primeiras edições, dezenas de injustiças foram cometidas, fazendo com que os próprios jurados questionassem a escolha popular. Participantes de peso foram excluídos, não por rejeição, mas por esquecimento. Por compaixão, muitos candidatos permaneceram no programa e seguiram em frente. Tudo isso pode até ser considerado fútil, afinal, qual a relevância de um reality show para uma sociedade? Esse questionamento, entretanto, evidencia o quanto o brasileiro é influenciável e apresenta a fragilidade do critério de julgamento da população.

Nos países desenvolvidos, Ídolos cumpre com seu objetivo e cria verdadeiros fenômenos pops. No Brasil, poucos são os talentos provindos de programas de TV que se destacam na mídia e na indústria fonográfica. Nesta hora, o povo, solidário, escolhe pela emoção e torna-se estúpido. Posso estar falando apenas de um reality show. Esta metáfora, contudo, permite uma boa reflexão, em especial no momento de decisão democrática que o país atravessa. Musical e politicamente, o mercado está infestado de pragas. E cada um ouve o que merece. Depois só não pode ficar ofendido quando for taxado de babaca.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Dramaturgia em crise: a maldição do licenciamento.

A fase água com açúcar da dramaturgia da Band está com os dias contados. Depois de Floribela, Dance Dance Dance e Água na Boca, a emissora realizou uma pesquisa para saber o que o público feminino espera ver nas novelas da casa. O resultado mostrou que a maioria quer tramas com mais ousadia e atrevimento. Empolgada com sucesso da reprise de Pantanal, cujo importante ingrediente é o cenário rural associado à sensualidade, a Band comprou os direitos de adaptação de Passión de Gavilanes, romance colombiano produzido pela Telemundo, Caracol Televisión e RTI.

Inversamente proporcional aos investimentos na dramaturgia nacional, a criatividade dos enredos enfrenta uma séria crise de conteúdo. Até mesmo a Record, que passou a investir pesado na produção brasileira, viu-se tentada com a possibilidade de expandir a exportação de suas novelas: assinou um acordo com a rede mexicana Televisa para adaptação de obras de sucesso mundial, como Rebelde. O mesmo recurso já foi utilizado pela Band, que importou da Argentina os direitos de Floribela e obteve excelente faturamento, além do licenciamento de dezenas de produtos.

Depois de amargar baixos índices de audiência com a insossa Água na Boca, a Band aposta suas fichas em um investimento em que as prerrogativas não parecem muito otimistas: a produção nacional de mais um enlatado. Passión de Gavilanes, cujos direitos foram recém-adquiridos, já foi exibida pela RedeTV! com o título Paixões Ardentes. Em sua primeira exibição no Brasil, estreou com a responsabilidade de, ao menos, manter os números de Pedro, o Escamoso. O resultado foi desastroso. A obra, escrita por Julio Jiménez e dirigida por Rodrigo Triana, foi interrompida muito antes de concluir o seu ciclo previsto.

Na RedeTV!, o folhetim estreou em 29 de março e encerrou em 25 de junho de 2004, sem ao menos apresentar o desfecho dos personagens. O corte gerou a revolta dos telespectadores. Mais de cinco mil e-mails chegaram à emissora de Alphaville. Diante da baixa audiência, menos de 1 ponto, e da dificuldade de comercialização, a diretoria suspendeu irrevogavelmente a exibição de Paixões Ardentes.

A versão brasileira de Passión de Gavinales será adaptada por Ecila Pedroso e poderá suceder Água na Boca. O elenco está sendo escolhido pelo diretor Del Rangel. Segundo o site “Estrelando”, nas últimas semanas foi realizado um teste com 250 atores para a seleção dos protagonistas.

Das onze telenovelas atualmente em cartaz na Globo, SBT, Record, Band e CNT, cinco são inéditas, uma é remake e quatro são reapresentações. Para os próximos meses, estão programadas as gravações de Rebelde e Passión de Gavinales. Nos bastidores do SBT comenta-se que mais uma obra argentina poderá ser adaptada com atores brasileiros. Enquanto isso, novos talentos são podados, grandes autores aposentados e importantes acervos ressuscitados, como o arquivo radiofônico de Janete Clair, adquirido por Silvio Santos.

Chacrinha, ainda nos primórdios da teledifusão, postulou: “na TV nada se cria tudo se copia”. O Velho Guerreiro tinha toda a razão, mas os tempos mudaram e a globalização chegou. A moda agora é pagar pela adaptação. É a imitação sem culpa, cultuada, sem vergonha e de papel passado.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Tolerância zero: o planejamento do Reino da Anhangüera.


São Paulo, 26 de fevereiro: SBT anuncia a volta do programa “Aqui Agora”, uma atração popular intitulada “jornalismo verdade”. Na pauta, muito sensacionalismo, prestação de serviços e – é claro – algumas das excentricidades do Patrão. Um soco no estômago do jornalismo tradicional. Um formato bizarro, beirando o grotesco. Nos estúdios, um cheiro de naftalina.

Para a nova empreitada, quatro apresentadores foram escalados: Luiz Bacci, Christina Rocha, Joyce Ribeiro e Hebert de Souza, este último demitido alguns dias depois, por agredir um dos produtores do telejornal, durante um intervalo. A intenção da direção do SBT era elevar os índices da tarde utilizando as mesmas armas das emissoras concorrentes. A meta era audaciosa: atingir 10 pontos no IBOPE. Caso contrário, o telejornal estaria fadado ao cancelamento.

Os preparativos para a avant-première do telejornal envolveram um forte esquema de assessoria de imprensa. Nos correios eletrônicos dos principais veículos de comunicação, a emissora anexava fotos dos apresentadores, dos cenários, além do release da atração. As expectativas eram enormes. O programa parecia ser a solução das tardes do SBT. Na estréia, o primeiro baque: apenas 5,3 pontos na Grande São Paulo. Nas semanas seguintes, índices mostraram-se ainda menores. Nos bastidores, uma pressão desrespeitosa. Na tentativa de aumentar os números, os apresentadores Luiz Bacci e Joyce Ribeiro foram substituídos por Analice Nicolau e César Filho. Por fim, em 11 de abril, sem aviso prévio aos telespectadores, o SBT retirou o “Aqui Agora” da grade de programação. A ameaça estava cumprida.

Havia, de fato, uma meta a ser cumprida: audiência de 10 pontos. Questiono: havia objetivos? E o planejamento? As pesquisas e as avaliações dos primeiros resultados? Cadê a coerência nas ações? No império da Anhangüera, o Patrão acordou saudoso e resolveu ressuscitar os mortos. Depois viu que os moribundos não eram mais tão atraentes. Guardas, quero que os liquidem! – ordenou o monarca.

Televisão é hábito. Um costume que precisa ser trabalhado a médio e longo prazo. Não é de uma hora para outra que o telespectador vai mudar de canal. Trata-se de uma cultura arraigada na rotina do brasileiro. Primeiro vem “Malhação”, depois a novela das seis, o jornal local, a trama das sete, o jornal nacional e a novela das oito. É assim há décadas. O público sabe o que vai assistir. A RedeTV! é outra emissora que respeita sua grade: primeiro vem o “TV Fama”, depois o jornal, seguido do “Superpop”. E o SBT? Não é a toa que um dos vídeos mais populares da internet é o da jornalista do “SBT Brasil” se perdendo toda ao anunciar a próxima atração. Se nem mesmo os apresentadores da casa sabem a grade, imaginem os telespectadores.

Nesta segunda-feira, 01 de setembro, outra atração estreou no SBT, o “Olha Você”. Os bastidores e as expectativas do programa lembram a saga do “Aqui Agora”: muita pressão, a responsabilidade de salvar os índices da tarde e – o que considero mais desolador – o olhar atento do Patrão. Um fato muito grave, porque em breve a atração pode virar uma jogatina desenfreada. Não seria surpreendente ver Ellen Jabour falando ao telefone perguntando quantas azeitonas cabem em um pote gigante, nem mesmo Claudete Troiano girando uma roleta de valores inferiores a mil reais.

A estréia do “Olha Você” abocanhou apenas 3,49 pontos, segundo prévia do IBOPE. O SBT informou que não há meta de audiência especificada e que a idéia da emissora é primeiro emplacar o formato. Mesmo sem inovação alguma, a atração prima por um entretenimento mais elaborado, diferentemente do “Aqui Agora”, que apostou em uma prestação de serviço grosseira. Apesar da discrepância entre o conteúdo de ambos programas, existe a sensação de déjà vu, pelo menos em relação à expectativa dos resultados em audiência. A esperança é a última que morre. O patrão, contudo, já a executou friamente algumas vezes. Cabeças rolaram e o espaço ficou vago. Chamem o menino mexicano!

Quer conversar sobre TV ou qualquer outra coisa? Escreva para mim joaoclins@yahoo.com.br

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O tirano de Tirânia: a ditadura do Sr. Abravanel.

“Amor, trapaça, mentira, problemas sociais, ambição, humor e drama se misturam em Revelação, a nova novela do SBT” – eis a sinopse da trama escrita por Íris Abravanel. À primeira vista, um amontoado de clichês. Uma via segura de conduzir um enredo sem correr grandes riscos.

Ousadia incita precedentes para grandes acertos ou retumbantes erros. A novela Pantanal, por exemplo, fugiu completamente do ambiente urbano carioca ou paulista. Investiu em tomadas externas, em um ritmo mais lento e em takes cinematográficos. Fez história e consagrou-se um dos maiores sucessos da dramaturgia brasileira, mesmo fora do “padrão globo de qualidade”. Brida, obra de Paulo Coelho, novela também exibida pela extinta Rede Manchete, apostou em uma linha mística, fora do usual, com elementos fantasiosos. Resultado: fracasso e rejeição. Apostar em novos formatos tem seu preço. Por isso, muitos autores preferem o bom arroz com feijão em vez de pratos sofisticados. E Dona Íris Abravanel, novata, foi cautelosa e optou por um roteiro tradicional, pelo menos neste primeiro trabalho. Sábia decisão!

Quando soube que a esposa do Silvio Santos escreveria uma novela, pensei: o patrão surtou de vez. Suspeitei, inclusive, que seria um golpe de marketing para anunciar, de supetão, a contratação de um grande diretor. Ledo engano. Era verdade. Nada absurdo para um canal que ousou lançar seu principal telejornal com duas ex-participantes de reality-show. E o pior – ou o melhor – de mini-saias, em uma bancada de vidro. Experiência e sucesso não brotam instantaneamente. São lapidados. Cynthia Benini e Analice Nicolau que o digam. Mas para que tivessem seu esforço reconhecido, entretanto, tiveram que pagar o maior mico de suas vidas: ancorar o jornal das pernas.

Voltando à senhora Abravanel. É indiscutível a coragem da autora. Escuta-se nos bastidores – e de modo oficial pelos atores da novela – que a trama está muito bem articulada. É evidente que tal análise, vinda do próprio elenco, é suspeita e parcial. Há, contudo, fatos mais relevantes, como a boa avaliação do novelista Yves Dumont, que supervisiona de perto os textos de Íris. Outros importantes nomes colaboram no projeto: Henrique Zambelli, Simoni Boer, Rogério Garcia, Paulo Cabral e Lilian Viveiros. A direção-geral está nas mãos de Henrique Martins. De fato, Dona Íris conta com uma equipe experiente, com muitos quilômetros rodados em dramaturgia.

A sinopse da história mistura elementos envolventes, mas não traz inovação alguma: Lucas (Sérgio Abreu) e Victória (Tainá Müller), os protagonistas, se apaixonam em Lisboa. Ele volta ao Brasil sem saber que ela está grávida. Em Tirânia, cenário da trama, o rapaz recebe fotos forjadas que mostram a amada com outro. Com isso, passa a desprezá-la e se casa com a filha do prefeito. A novela terá ainda um misterioso personagem: oculto e manipulador. A revelação de sua identidade e objetivos, no final, justificarão o título da trama.

Revelação terá outros núcleos além do principal, fato que distancia a obra de Abravanel do modelo de dramaturgia mexicana. Uma favela e muitos conflitos sociais darão à trama novos ares, bem diferente do que foi visto nos últimos anos no SBT: história chorosa, enredo rocambolesco, maniqueímo e distância da realidade brasileira.

O elenco apresenta alguns nomes já conhecidos do público: Sérgio Abreu, Tainá Müller, Flávio Galvão e Talita Castro. Antônio Petrin e Elaine Cristina, que integraram o elenco de Pantanal, provavelmente estarão em cartaz simultaneamente em duas produções exibidas pelo SBT, uma atual e outra de dezoito anos atrás.

Internamente, a obra de Íris Abravanel já alimenta muita polêmica e discórdia. Com uma boa frente de capítulos gravada e escrita, a trama ainda não tem data para estrear, apenas especulações. O próprio Silvio Santos, em seu programa dominical, já fez piada sobre o assunto, dizendo que a novela vai entrar no ar somente quando ele estiver disposto. E o mais deprimente é que aquilo é a mais pura verdade.

Curiosamente, no SBT algumas novelas foram produzidas e demoraram a estrear. O Direito de Nascer, por exemplo, foi gravada em 1997 e exibida pela primeira vez na emissora somente após quatro anos, em 2001. Algo semelhante aconteceu com Pérola Negra, que só foi ao ar depois do término de suas gravações.

O fato de uma trama ter uma extensa frente de capítulos gravados e escritos pode se tornar um problema. Aqui no Brasil, as novelas são, em grande parte, obras abertas, passíveis a intervenções das pesquisas de opinião pública. Exibir um projeto fechado pode ser um tiro no pé, afinal, a reedição de capítulos torna-se inviável. A demora para estrear Revelação está irritando muitos atores. Após o término do contrato, muitos deles ainda terão suas imagens vinculadas à produção do SBT.

Depois de quase dez anos sem uma produção genuinamente brasileira, o SBT despertou, ainda que timidamente, o seu cambaleante departamento de dramaturgia. Sem grandes investimentos e alardes, Revelação pode estrear a qualquer momento. Por enquanto, a novela corre dentro da Anhangüera, com muita especulação e disse-que-disse. O mistério da data em que a trama vai ao ar talvez seja a maior “revelação” da obra de Íris Abravanel. Tudo pode acontecer. Talvez estreie depois do horário político. Talvez depois do término de Pantanal. Talvez tudo seja uma pegadinha do patrão. Talvez sim. Talvez não. Talvez!

Quer conversar sobre TV? Escreva-me: joaoclins@yahoo.com.br. Até o próximo contato!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Fábrica de talentos: uma rápida análise do reality musical Ídolos.

Depois de muito disse-que-disse, especulações e ameaças judiciais, a Rede Record exibiu o primeiro episódio da nova temporada de Ídolos, versão brasileira do original britânico Idols, licenciado pela FremantleMedia. Na nova emissora, o formato manteve-se fiel à estrutura estrangeira, com três jurados e um apresentador. A adaptação, no entanto, ficou tão similar ao molde americano que até mesmo os estereótipos dos personagens foram absorvidos. No primeiro programa da temporada 2008 não faltaram caras e bocas. Para o trio que compõe o júri faltou o principal ingrediente: a complementaridade entre os envolvidos. Luis Calainho, um dos jurados, encarnou por completo o papel do produtor e empresário Simon Cowell. À primeira vista, antipático e bastante artificial.

Adaptações de versões estrangeiras no Brasil sempre suscitaram dúvidas: manter-se fiel às originais ou ajustá-las para a realidade local? O Big Brother Brasil, por exemplo, mostrou-se flexível com o passar dos anos. Apesar da rigidez das regras impostas no início do jogo, a edição foi se moldando de acordo com a preferência popular, tal qual um enredo de novela: uma obra aberta e passível à intervenção de pesquisas de aceitação pública. Outros formatos, entretanto, mantiveram-se rígidos, com pouca ou nenhuma adaptação, como o game Topa ou Não Topa, atualmente reexibido pelo SBT nas sextas-feiras.

Durante sua estada na emissora de Silvio Santos, nas temporadas 2006 e 2007, o programa Ídolos sofreu algumas intervenções. Apesar do formato ter sido mantido, a caractarização das figuras envolvidas mostrou-se espontânea e coesa. Em poucos tempo, Saccomani, Miranda, Cyz e Thomas tornaram-se o principal ingrediente do reality show. Nas etapas de audição, alguns jurados fizeram papel de carrasco e outros de mocinho. Com o andar do programa, no entanto, cada um assumiu a sua personalidade.

Desentusiasmada com a performance do formato no SBT, a FremantleMedia abriu negociações com a Record. Na Anhangüera, a decisão gerou surpresas e polêmicas. Após a perda oficial do Ídolos para concorrência, Silvio Santos arregaçou as mangas e ordenou, a toque de caixa, a produção de um programa similar, com apelo mais popular e ares de Show de Calouros. O resultado mostrou-se interessante. Exibido na linha do SBT Show, o reality Astros assumiu uma identidade popular – por vezes grotesca e bizarra – e vem alcançando bons índices de audiência, entre 08 e 09 pontos na Grande São Paulo.

Para a temporada de 2008, a Rede Record investiu US$ 12 mil (cerca de R$ 19,6 milhões) no programa Ídolos. Uma grande aposta, sem dúvida. Com uma estética alinhada ao modelo internacional e um belo trabalho gráfico, as edições estão ágeis e bem estruturadas. Rodrigo Faro, o apresentador, está bastante à vontade em cena. Sua afinidade com a interpretação e com a música lhe rendeu excelentes oportunidades de interação com os candidatos. Os jurados, por sua vez, dificilmente escaparão das comparações com o quarteto do SBT. À primeira vista pareceu que o trio não está alinhado. Ainda soa artificial. Os tradicionais “esculachos”, por vezes deixam de ser engraçados e tornam-se agressivos. Essa inadequação pode desagradar os telespectadores e colocar em risco o sucesso do programa.

A grande estréia do Ídolos na Record teve uma audiência ainda tímida, 11 pontos, ocupando a vice-liderança absoluta, contra 18 da Globo e 09 do SBT. Ainda é cedo para tecer qualquer previsão. O que ficou constatado, entretanto, é que este formato, aqui no Brasil, obtém seus melhores índices na etapa de audições. A partir daí a audiência começa a dispersar. Pelo menos foi o que aconteceu no SBT.

O Brasil tem algumas particularidades difíceis de explicar: Big Brothers viram celebridades em poucos dias (e tornam-se anônimos tão rapidamente quanto), mulheres frutas viram pautas nos programas de variedades e as músicas populares em destaque chafurdam do baixo para o baixíssimo nível. Até agora, escassos foram os casos de cantores revelados em realitys show que ganharam expressão nacional. Situação lamentável. Para nossos ouvidos, Crééééú.

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