quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Telenovela: decadência ou evolução?

Brasil, década de 70. Duas copas perdidas: 74 e 78. Tempos do milagre do Delfim, do império Médici-Geisel, dos fechamentos do Congresso, do bi-partidarismo, dos atos institucionais. Um país subjugado pela ditadura e pela censura imposta goela abaixo. Uma nação conformista, repleta de movimentações solitárias de indignação contida.

Nesta época, a comunicação engatinhava. No âmbito cultural, novas experiências musicais ganhavam fôlego com Chico, Milton, Mutantes, Elis, Gil e Caetano. A teledramaturgia consolidava-se em um país que não podia reclamar. Um povo de mãos atadas que, diante da repressão, optou por assistir um enredo que lhe desse direito a um final feliz. A TV passava a se tornar um refúgio seguro e a novela, uma diversão ideologicamente neutra e gratuita. Saudosos eram os bons e velhos anos 70. Tempos em que a programação era criativa e os valores preservados. Hipocrisia! Papo de gente caquética, de povinho burro, incapaz de abraçar novos costumes. Discurso de velho.

O brasileiro tem esse hábito ridículo que se apoiar em contextos passados para justificar as mudanças do presente. Vive de comparação: do carro dos amigos, do apetite sexual do vizinho, de rendimento da esposa. Por isso fica estagnado ou conformado com uma vidinha medíocre. Aí fica se lamentado em casa, culpando a novela das seis pelo seu enredo vazio. Então, espera pela trama das sete. Outra porcaria. Zapeia. Nada de bom passando. Saudade dos anos 70. Época em que pais e filhos se reuniam para ver o Jornal Nacional. Logo em seguida, a tradicional novela das oito. Tolice! Era pura falta de opção. Viam televisão na sala porque não havia no quarto, muito menos internet. Era o que tinha.

Estampam nos jornais manchetes de que a Rede Globo passa por uma crise na dramaturgia. Como se isso fosse algo grave. Acordem. Estamos na era da TV Digital, das novas mídias. Isso não significa a destruição da família brasileira, apenas a substituição de hábitos. E agora, vários pseudo-saudosistas surgem com protestos e comparações da programação de hoje e dos anos 70. Então que voltem para ditadura e que todos os raios os partam!

O motivo do alarde: as três novelas da Rede Globo registram as piores audiências dos respectivos horários desde 1970. Segundo aponta matéria do jornal Folha de S.Paulo, a trama em estado mais grave é a das 18h. "Negócio da China" registrou média de 21 pontos na Grande SP durante as duas primeiras semanas em que esteve no ar. Índice inferior ao de "Ciranda de Pedra", com 22 pontos no mesmo período.
"Três Irmãs” também amarga dados negativos, ainda piores que "Bang Bang", de 2005. Seus primeiros 30 capítulos marcaram 26,9 pontos, contra 30 da trama protagonizada por Fernanda Lima. Até as produções das 21h sofreram queda, influenciadas pela dramaturgia da rede concorrente. "A Favorita" conquistou opacos 37,6 pontos de média em seus 120 primeiros capítulos. A antecessora "Duas Caras" teve 1,3 a mais no mesmo período.

Nos outros canais, a dramaturgia se desenvolve e divide o bolo publicitário com a emissora líder. Na Record, dois roteiros inéditos estão em cartaz. E o melhor, com boa audiência, entre 13 e 16 pontos. No SBT, a enésima reprise de “Pantanal” faz a festa do Patrão, com médias na casa dos 13/14 pontos. E, para a alegria do mercado, novos títulos estão por vir: “Passión de Gavinales”, na Band, e a controversa “Revelação”, de Íris Abravanel.

O mercado está mais competitivo, inclusive no ramo das telenovelas. A Rede Globo ainda é líder isolada, com folga. O telespectador, aos poucos, muda de hábito e as novas mídias trazem outras opções de entretenimento. Isto se chama evolução. Criticar a pulverização da audiência é mais ou menos como cultuar a ditadura. Permitir que a comunicação fique restrita somente a um grupo é um retrocesso. Um brinde à liberdade de escolha, ao mercado, aos novos talentos e à democratização da informação.