quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mais casos, menos famílias.

Christina Rocha

O popularesco está de volta. Na tentativa de reverter o esvaziamento da audiência, Silvio Santos recorre à velha fórmula que consagrou o SBT: a exploração do apelo popular. Estilo que posicionou a emissora no mercado e, em pouco tempo, a elevou à categoria de vice-líder. A mesma diferenciação que espantou, por muito tempo, anunciantes de peso, fazendo a Rede operar no vermelho. Numa ofensiva contra o crescimento da Record, o canal ressuscita atrações que fizeram sucesso no passado: o “Programa do Ratinho”, o “Show da Gente” e o “Casos de Família”, o objeto desta análise. Uma estratégia comodista, preguiçosa e rançosa. A mesma que estimulou a estréia das malfadadas releituras de “Aqui Agora”, “Viva a Noite” e “Fantasia”. Apertem os cintos, o Patrão voltou no tempo e o piloto sumiu.

A partir do dia 4 de maio, diariamente, das 16h30 às 17h30, o SBT vai transmitir o novo “Casos de Família”, bem diferente da estrutura assistencial que a competente jornalista Regina Volpato levava ao ar. A ordem agora é chocar, inflamar discussões, armar o barraco. Saem os casos humanos narrados de forma civilizada, entram as gritarias. É o retorno de Christina Rocha, que acaba de sofrer uma verdadeira "venezuelização", já que a proposta é ser o mais fiel possível ao formato adquirido pela produtora Venezuelana.

Depois que Volpato abandonou o programa, desgostosa com as imposições que lhe foram feitas, o SBT partiu em busca de uma substituta que se encaixasse ao novo perfil. Com a saída de Regina, a emissora produziu pilotos com Olga Bongiovanni, Claudete Troiano, Márcia Dutra e Christina Rocha. A palavra final, como sempre, foi a de Silvio Santos, que elegeu a ex-apresentadora do “Aqui Agora” para ancorar a atração.

Historicamente, o programa apresenta perfil feminino, com predomínio das classes ABC e faixa etária acima de 25 anos. Um segmento bastante atrativo para o mercado publicitário. Estes dados, contudo, são referentes aos tempos de Volpato, que mediou a atração de maio de 2004 até março de 2009. Desde que estreou no comando de “Casos de Família”, Regina rompeu preconceitos e provou que é possível manter a elegância num “telebarraco” e não explorar o drama de pessoas humildes, que se prestam a contar na TV o que deveria ficar restrito às suas casas. A ordem agora, contudo, é seguir o caminho inverso: provocar escândalos, chamar atenção e atrair audiência, seja ela qual for. E o antigo telespectador? Será atraído pela nova proposta? E os anunciantes? Eles vão querer associar suas marcas a este tipo de conteúdo?


Ao que parece, o SBT está resgatando sua imagem popularesca, baseada numa programação de fácil aceitação pelo público. A mesma que lançou humorísticos quentes e shows intimistas, como "Reapertura", "Moacyr Franco Show", "O Homem do sapato branco", e o "Povo na TV", no início dos anos 80. Com tal direcionamento, a Rede alcançou rapidamente uma posição de destaque em audiência, chegando a uma participação de 24% e 30% no primeiro e segundo ano de operação.

Esses resultados estimularam uma mudança de postura. De 1983 a 1987, a emissora investiu em programas populares, mas já aliados a uma preocupação com a qualidade. Estratégia intensificada entre 1988 e 1990, com a contratação de Boris Casoy, Jô Soares e Carlos Alberto de Nóbrega. Nesse período estrearam "Aqui Agora", "Programa Livre", "Jô Onze e Meia”, "A Praça é nossa" e "Cinema em Casa". Com uma grade qualitativa, contudo, a Rede experimentou um decréscimo na sua participação em audiência, caindo para 22%. Em compensação, pulou para 15% de no share publicitário. Prova de que os números do IBOPE, a comercialização e o prestígio nem sempre andam juntos.

Em resposta à ascensão comercial da Record, a partir de 2004, o SBT tentou re-qualificar sua grade com maciços investimentos no jornalismo e na dramaturgia. Aos poucos, a emissora sofisticou seu casting e perdeu parte do apelo popular. Tal atitude, todavia, veio acompanhada de uma substancial queda na audiência.

Se antes aquele estilo pop do SBT tinha um ar cult, hoje envelheceu. Tornou-se apenas brega – o que explica em parte o esvaziamento da identidade da emissora. A estréia do novo “Casos de Família” é um desses exemplos desesperados de voltar no tempo. Troca o perfil, substitui a apresentadora. Muda também o telespectador qualificado, que migra para outras propostas mais interessantes – e cada dia mais escassas na TV aberta. Só falta contratarem o João Kleber para acelerar a metástase da grade vespertina, já convalescente desde o regresso de Márcia Goldschmidt. É o mundo cão ressurgindo das cinzas, mais forte do que nunca.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Big Brother Brasil: a voz dos excluídos.

Max, Fran e Pri: finalistas do BBB 9

Esta semana, o Brasil conheceu o mais novo vencedor do Big Brother: Max Porto. Com apertados 34,85% dos votos, o carioca venceu Priscila e Francine e conquistou o prêmio máximo do programa. De quebra, ainda terá seus 15 minutos de fama que, se bem administrados, podem render mais alguns rendimentos. Final feliz para o bem, punição para o mal (se é que esta edição teve algum vilão de fato) e a resolução de uma trama de conflitos que atraiu os sentimentos de compaixão e justiça em mais de 40 milhões de espectadores-consumidores. Enfim, os brasileiros podem começar o ano e tocar suas vidinhas adiante. A novela acabou e, com ela, todos os argumentos de luta, usados pelos participantes do jogo, para transpor as barreiras da vida e das armadilhas de seus adversários. O povo fez a sua parte. Endossou um investimento milionário que não vai levar ninguém a lugar algum.

O formato do Big Brother não por acaso tem os ingredientes de um melodrama. Os aspirantes à fama são escolhidos entre milhares de candidatos, por meio de uma seleção direcionada, pressupondo certos encadeamentos, já que eles foram eleitos segundo características físicas e emocionais preestabelecidas. Lá estão a mocinha, a gostosa, o bonitão, a chorona, os vilões e, como não poderia deixar de ser, os representantes das minorias.

Durante nove edições, os telespectadores assistiram a verdadeiras “tramas comportamentais”, com a real possibilidade de interagir com o enredo, punindo ou premiando a ação dos “brothers”, através de atividades programadas, como o “big boss” e a “votação popular”.

Ao longo dos paredões, os participantes foram assumindo seus personagens. Fato curioso é a predileção do público brasileiro pelas "minorias sociais". No BBB observa-se que os candidatos mais populares repetem um padrão de identidade associado a arquétipos de personalidade. Listemos os vencedores de todas as temporadas: o ignorante boa praça (Bam Bam), o rústico (Rodrigo Caubói), o caipira influente (Dhomini), a babá de bom coração (Cida), o intelectual gay (Jean), a mãe da menina com necessidades especiais (Mara), o herói (Diego Alemão), o feirante fiel (Rafinha) e, finalmente, o artista sincero (Max).

Cida: a primeira mulher a vencer o BBB
Margaret e Pearson (2001) definiram doze arquétipos que se expressam na vida das pessoas. Alguns deles são facilmente identificados nos participantes do programa. São eles: o prestativo (Mara, BBB 6); o governante (Jean Willis, BBB 5); o bobo da corte (Fran, BBB 9); o cara comum (Buba, BBB 4); o amante (Thyrso, BBB 2); o herói (Alemão, BBB 7), o fora-da-lei (Tina, BBB 2), o mago (Monge, BBB 6), o inocente (Bam Bam, BBB 1), o criador (Iris, Alemão e Fani, BBB 7); o explorador (Doutor Rogério, BBB 5) e, por fim, o sábio (Jean Massumi, BBB 3).

No Big Brother Brasil 5, Jean Willis inflamou o programa ao se declarar gay e denunciar homofobia dentro da casa. Na condição de "minoria oprimida", caiu nas graças do público e da crítica. O caminho adotado pelo psiquiatra Marcelo, na oitava edição do reality, contudo, foi diferente. De forma consciente ou não, ele buscou explorar a roupagem sexual mais adequada para ser aceito por seus pares. Ambas personalidades se destacaram na competição. O escritor baiano faturou a premiação da quinta temporada, vencendo, inclusive, Grazi Massafera. Um avanço e tanto para um país ainda homofóbico e preconceituoso.

Fazer parte da minoria, contudo, não é fator determinante para o jogo. Esta edição do BBB, por exemplo, contou com dois “brothers” da terceira idade: Naiá (61) e Norberto (63). Ambos foram eliminados pelo público, com 52% e 55% dos votos, respectivamente.

No Brasil, ao contrário das versões internacionais, o Big Brother costuma separar dois sub-grupos de personalidades: os “marginalizados” e os "aspirantes à fama", com seus biotipos esculturais e certo grau de arrogância ou isolamento. A seleção destes "excluídos", além do jogo cênico que proporcionam, tem uma explicação comercial muito clara: gera identificação com um público consumidor em franca expansão. As classes C, D e E, enfim, viram-se representadas na tela da Rede Globo. Desta vez no papel de herói da vida real. Com isso, esse estrato populacional passou a interagir com o programa, na esperança de compensar seus personagens favoritos da pobreza em que viveram ou pela vida difícil que tiveram. Vitória dos excluídos, da esperança e da demagogia. O Big Brother, mais que um microcosmo da realidade brasileira, tornou-se uma reação global a um ato de preconceito que nos revela que as minorias estão se dando conta de seu poder.

MARK & PEARSON (2001). O Herói e o Fora-da-Lei: como construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos. Cultrix, São Paulo.