quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A TV aberta e a diversidade sexual

Participantes do BBB 10


O Brasil é um país no mínimo curioso. Um povo que idolatra o carnaval - evento que nivela todas as classes, gêneros e etnias - e que fica atônito ao ver na televisão três participantes homossexuais em um reality show. As mesmas pessoas que cultuam a diversidade na avenida são aquelas que ficam chocadas ao ver a rotina de um homem que se veste de Drag Queen nas noites. Sim, caras pálidas. A hipocrisia invade a passarela. Enquanto esses personagens (eu prefiro chamar de pessoas) estão à distância, eles são vistos como criaturas travestidas e rotuladas. E por dentro? Foi justamente isso que Boninho, o todo-poderoso do programa mais vigiado do Brasil, quis botar em discussão. Mostrar que por trás da caricatura glamorosa há um ser humano, com desejos e necessidades iguais a qualquer cidadão. A despeito de qualquer crítica ou comentários maldosos, o diretor do BBB chamou para si uma enorme responsabilidade. E foi muito corajoso para dar a cara a tapa, assim como os três participantes assumidamente gays do reality. É a diversidade debatida na vida real, ainda que embalada em um discurso moralista, sensacionalista e caricato.


Primeiramente, caros leitores. Não entupam o meu e-mail com argumentos demagogos como: “como ficam as crianças diante da TV”, “deturpação de valores”, “consideração à família brasileira”. Se quiserem falar de respeito, comecem por aplicá-lo. Porque, antes de montar essa coluna, dediquei horas de estudo e leitura de listas de discussões. E já adianto: li depoimentos agressivos, sustentados por uma ignorância repugnante. A maioria fugindo do assunto em discussão, correlacionando a homossexualidade a crimes, promiscuidade, política, religião e até futebol. Bobagens do tipo: “em vez de perderem tempo tratando da vida sexual das pessoas, porque não falam sobre a fome no nordeste?” (SIC). Esses indivíduos são exatamente aqueles que não contribuem em nada para o respeito da diversidade sexual, tampouco para a saciedade dos famintos deste país.


Apesar de estarmos engatinhando no que diz respeito à aceitação da orientação sexual dos brasileiros, fuçando a literatura televisiva nacional, descobri verdadeiras pérolas, que mostram que a abordagem do assunto começou desde cedo, na década de sessenta, no teleteatro “Calúnia”, da TV Tupi. Na peça, escrita por Lilian Helmann, as atrizes Vida Alves e Geórgia Gomide viveram as professoras Karin e Martha. Depois de serem acusadas de lésbicas pelas alunas, revelaram-se apaixonadas com um beijo homossexual.


Um estudo bastante aprofundado foi realizado por Leandro Calling, em 2007, intitulado “Homoerotismo nas telenovelas da Globo e a cultura”. O texto analisa como as telenovelas da Rede Globo representaram os homossexuais no período de 1974 ao início de 2007. Leitura recomendada para quem quiser se aprofundar mais sobre o tema.


A primeira aparição de um personagem homossexual nas novelas da Globo aconteceu em “Rebu”, de 1974. Na trama, Conrad Mahler mantinha uma relação com o garoto de programa Cauê, assassinado no final do folhetim por se envolver com a esposa do companheiro. Em “O Astro”, ainda na década de 70, a homossexualidade foi novamente relacionada à violência. O cabeleireiro gay Henri torna-se álibi do assassinato de Salomão Hayalla. Estes tipos de associação, obviamente, em nada contribuíram para uma discussão saudável. Pelo contrário, alimentaram a repulsa de uma sociedade amordaçada por uma ditadura militar opressora e violenta.


Ainda nos anos 70, outros personagens gays ganharam destaque nos folhetins globais, desta vez com um estereótipo afeminado: o garçom Waldomiro e o chefe de cozinha Pierre Lafond de “Marron-glacé” e o mordomo Everaldo de “Dancing Days”. Esta abordagem, satírica e rasa, emprestou aos papéis um tom jocoso, colaborando ainda mais para discriminação dos homossexuais.


No decênio seguinte foram nove aparições de gays na dramaturgia global, de 1980 a 1989. A primeira apresentação de uma personagem lésbica aconteceu em “Ciranda de Pedra”: Letícia, uma feminista com trejeitos masculinos. Já o primeiro casal de namorados foi apresentado na trama “Brilhante”. A década de 90 também contabilizou nove papéis homossexuais, incluindo a primeira veiculação de um gay não-afeminado.


Durante algum tempo, muitos atores e atrizes tiveram receio de papéis homossexuais, temendo o estereótipo nas suas carreiras de ídolos. Hoje, a realidade é outra. Personagens deste gênero podem, inclusive, impulsionar a imagem do artista. Um bom exemplo foi a participação de Rodrigo Santoro no filme “Carandiru”. O astro ganhou status por renunciar a sua estampa de galã e assumir um personagem afeminado, interpretado de forma realista e nada chistosa.


Essa postura aparentemente liberal do telespectador brasileiro, no entanto, é frágil. “Já tive de morrer na TV por fazer uma personagem homossexual. Nos anos 90, eu fiz um casal com Silvia Pfeifer, em Torre de Babel. Era o casal mais tranquilo da novela. O mais bem sucedido. Mesmo assim, elas tiveram de morrer daquela forma horrorosa, em uma explosão dentro de um shopping, por conta do preconceito” – afirmou Christiane Torloni em entrevista ao R7, em 31/10/09. O conturbado desaparecimento gerou uma grande discussão. Movimentos gays protestaram contra a Igreja Católica e a acusaram de ter pressionado para que houvesse a morte das personagens.

Se a audiência interferiu para censurar, também contribuiu para moralizar. Hoje, diversas associações e ONGs que apóiam a diversidade sexual e comportamental mobilizam-se contra o conteúdo homofóbico, retirando-os do ar em alguns casos, como aconteceu com João Kleber e suas "pegadinhas", que submeteram os gays a uma posição surreal e de inferioridade.


Nos últimos anos, contudo, a discussão saiu da ficção e chegou à realidade. No palco, ao vivo, os oficiais militares Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo expressaram publicamente sua homossexualidade durante o programa Superpop, na Rede TV. Logo após a entrevista Araújo foi preso.


O espaço à discussão da diversidade aumentou e, com ele, as mensagens de apoio ou repudio. Glória Reis escreveu em 2008, em seu blog, um texto sobre o “marketing da opção sexual”. Totalmente alienada ao histórico da aparição dos gays na TV brasileira, a autora critica a TV Globo e as suas telenovelas por “abarcar mais gente para a prática homossexual, propagando uma realidade totalmente falsa de um mundo maravilhoso, colorido, de gente feliz, sem conflitos, sem perigos, sem necessidade de cuidados e prevenção necessárias em qualquer vivência da sexualidade.”


Gloria Reis, em seu texto, enaltece, como cidadã e educadora, a sua preocupação com o crescente número de crianças e adolescentes influenciados pela propaganda da "maravilha de ser homo" (SIC). Para ela, esta “ideologia” é um desrespeito e atentado à liberdade humana. E vai além: “Pobre país cuja maior rede de TV tem como estrela um Aguinaldo Silva, cujo maior sonho é ‘fazer’ um beijo gay na novela, com medo de que um heterossexual passe à sua frente. É um profissional destituído de autocrítica, pois fala da sua patética novela como se fosse Madame Bovary de Flaubert. Quanta mediocridade”. Pára tudo! Que isso, dona Glória? Se a senhora está vendo muito gay na rua não é culpa da Globo, mas da sensação de autonomia que as pessoas estão tendo. Como é que a senhora ousa a falar de liberdade humana escrevendo tudo isso? Isso é opressão. E o pior, uma opressão letrada, de uma formadora de opinião.


Assim como o Blog da Glória que, com todo o direito, expressa a sua opinião, muitos outros canais de comunicação pipocam por aí, com as mais diferentes frentes e ideologias. E agora, seguindo as tendências das novas mídias, a TV resolveu retratar o assunto mais abertamente. E coube ao Boninho jogar tudo no ventilador. Ao seu estilo, naturalmente.


Desde a sua estréia, o Big Brother trouxe algum participante gay. Contudo, na maioria das vezes, esse representante era uma minoria oprimida. Geralmente era só um, para ser “estéril” e não causar comoção. Assim, a diversidade estaria “preservada”. A surpresa, contudo, veio no BBB 5, quando o professor homossexual assumido Jean Willis venceu a disputa e faturou o prêmio máximo do programa.


Diferentemente da quinta edição do reality, que abordou o tema de forma adequada, a presente temporada apostou na polêmica para atrair a atenção. E foi ousada. Colocou, de uma só vez, três representantes gays assumidos: Dicesar, Sérgio e Angélica. O problema, desta vez, é a forma grosseira com que o assunto está sendo explorado. A orientação sexual dos participantes, nestas primeiras semanas, está sendo discutida à exaustão, como se eles não tivessem outra coisa a oferecer. Com o tempo, entretanto, a polêmica se esgota e os verdadeiros valores dos brothers passam a ganhar atenção.


Para atingir uma discussão madura sobre a diversidade sexual é preciso combater o preconceito e o estereótipo promíscuo ou caricato. Na TV aberta são ainda são poucas as produções em que o homossexual é humanizado e não julgado pela sua posição sexual. No Brasil, a televisão ainda é o veículo de informação mais difundido e, para alguns, a única fonte de informação. O que aumenta a responsabilidade com a ética. Para informar, estimular e construir valores sólidos, em vez de criar arquétipos e disseminar preconceitos.


Referências bibliográficas

REIS, Glória. Disponível em http://gloria.reis.blog.uol.com.br/arch2008-05-18_2008-05-24.html

CALLING, Leandro. Homoerotismo nas telenovelas da Globo e a cultura. Disponível em http://www.cult.ufba.br/enecult2007/LeandroColling.pdf

TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso:A Homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Record, 2004. 586p.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

As novas receitas da dramaturgia nacional

Carla Marins - a protagonista de Uma Rosa com Amor


2010 promete grandes novidades. As emissoras estão armadas, com produtos bons e novos formatos. Até mesmo a Rede Globo, com a sua folgada liderança, abriu mão, no último ano, da zona de conforto e arriscou propostas ousadas, estéticas e narrativas, como as séries “Decamerão”, “Som e Fúria” e “Norma”. Sinal de que a dramaturgia brasileira evoluiu, ficou mais madura e mais rentável. E não somente nos arredores do Projac. A Rede Record, por exemplo, mostrou que é possível fazer novela fora de Jacarepaguá e chegar a um nível próximo do “padrão globo de qualidade”. O SBT rompeu contrato com a Televisa e partiu para as produções 100% nacionais, apoiadas em textos antigos de Janete Clair e Vicente Sesso. O panorama é otimista. A produção dramatúrgica na TV aberta surpreende: são sete telenovelas inéditas no ar. Um cardápio bem interessante para consumidores ávidos por este tipo de produto. Aí que entra a provocação desta coluna: com relação à estrutura narrativa, quais dos títulos em cartaz são realmente inovadores? O que você, telespectador, prefere: um bom feijão com arroz ou um marreco ao molho de café? Uma novela tradicional (e previsível) ou um enredo inusitado e surpreendente?

A TV vive de faturamento. Ponto. Por mais que haja excelência na produção artística, o que movimenta a folha de pagamento é o retorno comercial. A produção e a audiência em massa. Um modelo ainda em uso, mas já absolutamente condenado pela entrada do sinal digital.

Vamos à velha e boa metáfora gastronômica: hoje, a TV aberta tem que alimentar grandes conglomerados de audiência com uma mesma receita. Básica e pasteurizada. Daqui a alguns anos, o cardápio vai aumentar, assim como a procura por novos pratos. O bandejão popular vai perder adeptos. Logo, o telespectador vai querer – e poder – consumir o que tiver vontade: desde um ovo frito até uma lagosta. Do programa da Márcia a um seriado Cult.

Com a segmentação da audiência, as novelas poderão criar novos formatos e investir em outras propostas. Se isso será economicamente viável aí são outros quinhentos. Porque a ousadia tem seu preço. Pode render excelentes investimentos ou mesmo causar um enorme prejuízo. A Record, por exemplo, lançou dois produtos com linguagem inovadora: a malfadada novela “Metamorphoses” e a bem-sucedida trilogia dos Mutantes, de Tiago Santiago. Mesmo com todas as críticas, o autor conseguiu a façanha de alcançar picos de liderança no Ibope. E isso tudo no tempo da TV analógica, com público massivo, efeitos especiais grosseiros e um enredo fantasioso. Uma receita que agradou em cheio parte dos adolescentes. Tão popular quanto uma porção de batata frita. Uma é pouco, duas é bom. Três é demais. E dá náusea no final.

O arroz com feijão, aquele bem temperadinho, com os ingredientes na medida certa, entretanto, também tem seus adeptos. E é justamente essa receita que o autor Tiago Santiago (sim, o mesmo dos Mutantes) vai utilizar para reavivar a combalida dramaturgia do SBT, que há anos sobrevive com refeições ralas e insossas. Trata-se da adaptação de Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso. A trama, produzida pela primeira vez em preto-e-branco, em 1972, foi exibida com grande sucesso na Rede Globo. Veiculada no horário das sete, contou com 220 capítulos, com destaque para a atuação de Marília Pêra como a solteirona Serafina.

Uma Rosa com Amor foi uma das primeiras novelas da Globo com elementos de comédia romântica, o que se tornaria, mais tarde, a marca do horário das 19h. Na versão de Santiago, com a colaboração de Renata Dias Gomes e direção-geral de Del Rangel, o enredo vai permanecer fiel ao original, com temas já bastantes conhecidos pelo público: amor, casamento, família, disputas, traições, cobiça, solidariedade e amizade. As questões serão abordadas por uma perspectiva doce e bem humorada.

Seguindo referências do neo-realismo, Uma Rosa com Amor brinca com perfis estereotipados e cômicos, como a moça que ficou sem namorar depois de uma grande decepção amorosa, o fanho, a nova rica ambiciosa e fútil, o malandro e o pai protetor.

O elenco escolhido é popular e reúne nomes como Carla Marins, Luciana Vendramini, Etty Fraser, Isadora Ribeiro, Betty Faria, Carlo Briani, Claudio Lins, Monica Carvalho, Edney Giovenazzi, Toni Garrido, entre outros.

O SBT parece estar disposto a retomar – pela enésima vez – a sua dramaturgia. A emissora, conhecida pelos espasmos criativos do patrão, já adotou inúmeras cartadas ousadas, como a reprise de “Pantanal”, da extinta TV Manchete. Desta vez, a estratégia é outra: trilhar um caminho conhecido pelo público e apostar no óbvio ululante. Uma receita, a princípio saborosa, que pode virar praxe na mesa ou mesmo enjoar no decorrer dos dias. Prefiro o marreco ao molho de café, mas ainda assim devo experimentar esse novo prato-feito do Silvio Santos. Numa dessa eu acabo gostando.