Uma das possíveis razões do sucesso de Chaves é sua identificação com a cultura dos países latino-americanos, não somente pelos parâmetros econômicos, mas também sociais. Tal qual Charles Chaplin, Roberto Bolaños criou uma atmosfera carnavalizada no seriado. Produziu um humor circense, teatral e baseado na pobreza. Com isso, uniu a falta de técnica ao conteúdo do programa.
É no espaço da carnavalização que se encontra um dos elementos mais interessantes do seriado mexicano. Chaves é, em grande parte, uma carnavalização de contextos e papéis sociais e também de produtos e propostas estéticas. A começar pelos personagens. Crianças são interpretadas por adultos. Os maduros, por vezes, têm atitudes infantilizadas. O mesmo autor interpreta dois personagens, adulto e criança – como o caso de Florinda Meza, que vive Dona Florinda e Pópis, e Maria Antonieta de Las Nieves, que interpreta Dona Neves e Chiquinha.
A carnavalização também transparece a forma como a pobreza é representada. Em vez de utilizar o cortiço para um fim dramático, Bolaños utiliza o ambiente para sua ambigüidade paródica. A pobreza, que é triste, vira pretexto para o humor, que representa a alegria. “Bolaños faz com que a fome, que poderia ser pretexto para algo lamurioso ou panfletário, seja trabalhada sob uma ótica circense, para fazer rir” (KASCHNER, 2006, p.59).
O carnaval pode ser um dos motivos de aproximação entre o contexto do seriado com o cenário brasileiro. No humorístico, a cronologia pára, adultos são crianças e dívidas são perdoadas. Assim é o nosso carnaval. Durante poucos dias, ricos e miseráveis são iguais. Os morros enfeitam-se de lantejoulas e a pobreza vira beleza. Por tempos, dirigentes e operários, empregados e desempregados se esquecem da economia, da crise, dos problemas e uma nação cheia percalços vira o país do carnaval.
Outro argumento que pode justificar a empatia do público com o humorístico é a justaposição do enredo à técnica. Personagens feios, cenários mal acabados, iluminação precária: Chaves é, definitivamente, um programa fora dos padrões convencionais no que tange à estética.
O conteúdo do seriado, apesar de contar com um roteiro inteligente e bem costurado, não pode ser considerado inovador. Ele não traz grandes novidades. Ao contrário, na vila do Chaves, pouco ou quase nada acontece. Seu humor baseia-se no grotesco, tanto pelo figurino, quanto pelas previsíveis ações dos personagens. A repetição, inclusive, pode ser encarada como um dos temperos do humorístico. Os telespectadores esperam as piadas e, ainda assim, riem delas. E isso é reconfortante para quem assiste. Eco, em Sobre os espelhos e outros ensaios, explica esse comportamento na suposição da “necessidade do leitor das séries consolar-se tanto com o retorno do idêntico, mesmo que mascarado, quanto com sua capacidade de prever o desenrolar da história, saboreando assim a possibilidade efetiva do retorno daquilo que ele espera acontecer.” (ECO 1991, p.56).
No enredo, é possível observar claramente situações e diálogos que se repetem: a pancada que o Sr. Barriga recebe do garoto Chaves assim que entra na Vila, a bofetada que Sr. Madruga leva de Dona Florinda – geralmente por um ruído na comunicação -, o clima melodramático que se instaura no encontro de Florinda e Girafales, entre outros.
CONCLUSÃO
Dono de um humor neocantinflaniano, Chesperito é a forma mais sublime de traduzir a simplicidade de um circo. Bolaños é um comediante sensível, que faz do humor sua poesia; da representação de sua nação, seu cenário; seus personagens, memoráveis. Quem enxerga mais do que a superficialidade de El Chavo del Ocho pode perceber a riqueza de seu universo circense.
Chaves representa um estereótipo sócio-cultural do México e, por conseguinte, da América Latina. E é por esse motivo que há tanta empatia com os países subdesenvolvidos. A utilização dessas caricaturas, segundo o próprio autor, é uma forma de se identificar com o público do seriado. A contribuição de Chaves para construção dessa identidade, portanto, é meramente ilustrativa e não cumpre o papel de denúncia. Bolaños foi taxativo ao afirmar que a função do humorístico não é desenvolver uma crítica social, mas sim entreter. Para ele, Chaves é apenas um garoto pobre que passa fome e vive em lugar pobre. Para se inspirar no cenário da vila, bastou olhar em volta.
A critica do seriado surgiu “sem querer querendo”. É quase impossível representar um povo sem tocar em valores ou aspectos sociais. Chaves faz sucesso por tentar reproduzir, mesmo que de forma caricatural, aquilo que realmente é. Se Dona Florinda fosse bela, Chaves rico, Sr. Barriga vilão e professor Girafales herói, o seriado perderia o sentido. É mais fácil nos identificarmos com a realidade de Chaves do que com o universo fictício Super Homem.
Em El Chavo de Occho, os telespectadores se vêem e, de certa forma, orgulham-se disso. É como afirmar que o Brasil é o país do carnaval. De fato, nossa nação não se resume ao samba, mas nós somos identificados dessa maneira no exterior. Recebemos tal estereótipo que, de certa forma, nos dá orgulho e nos diferencia de outras culturas.
A carência técnica contida no humorístico tornou-se um saboroso tempero. A feiúra e a miséria, no espaço da carnavalização do seriado, tornam-se engraçadas e caricatas. Um divertido circo pobre, repleto de palhaços. De Hollywood, fica a referência do humor pastelão. Esteticamente, Chaves subverte o modelo norte-americano e, ainda assim, encanta pela simplicidade. A vitória do conteúdo sobre a forma.
A carnavalização e a construção de uma identificação com o México subdesenvolvido revisita um humor de raiz, ora escrachado, ora poético. Assim é El Chavo del Ocho, um programa que sabe rir da pobreza sem ofender, que toca os corações sem fazer chorar.
Referências deste capítulo:
ECO, Umberto. Sobre espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
KASHNER, Pablo. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.
3 comentários:
Olá, gostei muito dos seus 4 arigos sobre "Chaves" e gostaria de saber se poderia reproduzi-lo (com os devidos créditos) em meu blog.
Desde já agradeço.
Blog Mundo da TV Aberta
correção: onde disse arigos é ARTIGOS.
Muito bom esse seu texto sobre o Chaves. Bem escrito e com otimas percepções. Essa do carnaval foi ótima.
Muito do que voce falou sobre usar a pobreza para situações de comédia pode se traduzir na velha máxima da comédia.
COMÉDIA = DRAMA + TIMING
Divulguei aí pra galera!
Valeu!
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