terça-feira, 7 de outubro de 2008

Capítulo 3: a negação e a afirmação da estética norte-americana

RESUMO:

Penúltimo capítulo do artigo “Chaves: um estereótipo da latinidade mexicana”, escrito por João Cláudio Lins. Trata-se de uma análise, em quatro partes, do programa Chaves, exibido no Brasil há vinte anos. Examina-se a forma e o conteúdo do humorístico, que carnavaliza a pobreza de uma comunidade e aposta na produção de um humor circense. Ao fim, faz-se uma comparação formal e narrativa do formato, a partir da afirmação e negação da estética norte-americana.

A NEGAÇÃO E A AFIRMAÇÃO DA ESTÉTICA NORTE-AMERICANA

O programa humorístico Chaves, exibido no Brasil há mais de 20 anos, realiza algumas inversões na estética dos seriados hollywoodianos. O glamour norte-americano parece ter sido desprezado nos roteiros cômicos de Chespirito. A tendência de enaltecer o belo, a ascensão social e a riqueza foi ignorada, dando lugar a cenários enjambrados, pobres, feios e escuros.

No seriado não há donzela, tampouco moças bonitas. Não há galãs também. Enfim, a beleza estética parece estar em segundo plano no humorístico. A cronologia de Chaves é confusa, recheada trechos do cotidiano, sem ligação entre um capítulo e outro. Há, contudo, uma marcada apologia à igualdade feminina, algo bem distante do estereótipo da mocinha indefesa. Na vila, todas as mulheres são independentes. Nenhuma delas está atrelada ao marido ou cônjuge. Nota-se, de modo bastante claro que, tanto as moças adultas, como Dona Florinda e Dona Clotilde, quanto as meninas, como a Chiquinha, exercem poder de influência sobre os homens. E ainda são mais inteligentes e perspicazes.

Diferentemente dos heróis simbólicos, que unem à sua bondade a verdade e a beleza, os personagens do seriado Chaves são pessoas marginalizadas que moram num cortiço. Não há roupas de grife e nem gente bonita. Há indivíduos de carne e osso cujas condições sociais não permitem que se apresentem de forma fina e elegante (YGLESIAS, 1990). O elenco de Chaves, em geral, caracterizam tipos humanos desfavorecidos pela natureza: desengonçados e com rugas, magros ou gordos demais. Características que contrapõem a estética maniqueísta de Hollywood, em que o belo representa a verdade e o bem enquanto o feio representa o mal.

Em El Chavo del Ocho não há preocupações formais em “maquiar” as crianças da vila. São personagens infantis interpretados por adultos que utilizam roupas coloridas e têm atitudes infantilizadas e circenses. A estética hollywoodiana, apesar de tolerar estereótipos, tende a ser mais verossímil. Crianças quase sempre são interpretadas por crianças.

O mais relevante a analisar é que esse tipo de representação quebra a lógica convencional, mantendo uma certa ambigüidade: as figuras de Nhonho, Chaves, Chiquinha e Quico são interpretadas por atores adultos, mas psicologicamente representam crianças. Yglesias (1990) lembra que os telespectadores sabem desse detalhe e, mesmo assim, assimilam os personagens como figuras infantis.

Os adultos, por sua vez, também não escapam à ambigüidade, participando do jogo de desestabilização dos papéis sociais. É bastante comum vermos os personagens de Sr. Madruga, Dona Florinda, Professor Girafales, Dona Clotilde e Sr. Barriga comportando-se de modo infantil: brincam, choram, gritam e fazem gestos. Essas atitudes, muitas vezes, criam uma ruptura da ordem estabelecida, em que adultos são normalmente responsáveis e crianças são, em parte, inconseqüentes.

Outro ponto a ser considerado: no seriado Chaves, as famílias são incompletas. Mais uma contraposição à estética comum, em que os indivíduos geralmente possuem diversas referências de parentesco, com a presença do pai, da mãe, dos filhos e dos irmãos. Muitas sitcons americanas, por exemplo, se desenrolam dentro de um círculo familiar.

Apesar de inegáveis elementos que deturpam o padrão estético e narrativo norte-americano, Chaves também possui características que o afirma: o humor circense, por exemplo. Ele parece receber influência de grandes comediantes, como Cantinflas, humorista latino-americano de notável sucesso, Charles Chaplin, Os três Patetas e O Gordo e o Magro. As comédias pastelão, o trunfo hollywoodiano das primeiras décadas do século XX, foram, sem dúvida, relevantes na composição dos personagens e no desenvolvimento de Chaves.

No próximo – e último - capítulo: A identificação de Chaves com o público latino-americano e a conclusão do artigo.

Referências deste capítulo:
YGLESIAS, Maria Perez. El Chavo del Occho: por que los aman los niños? Revista Herência: Editorial de la Universidad de Costa Rica (UCR), set.1990.

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